31 de julho de 2010

Elle Voltou*

A cena se passa em 1992, poucos meses antes do impeachment. Elle, dentro das suas atribuições de Chefe de Estado, era o convidado de honra da inauguração um centro de ensino. Eu não passava um simples estagiário de jornalismo de uma instituição de ensino profissionalizante que havia montado uma oficina para aprendizagem industrial naquela escola cuja sigla – CIAC ou CAIC – soterrou-se em minha memória. Já havia explodido o escândalo em que o tesoureiro de sua campanha eleitoral fora acusado de controlar uma gigantesca fatia do Orçamento Nacional e Elle fugia dos jornalistas como diabo da cruz evitando explicar o que aos olhos da nação era inexplicável.

Reles estagiário que era, imaturo e ávido por agradar meus chefes, fora incumbido de conseguir algumas palavras positivas de Sua Excelência sobre a nossa instituição. Os jornalistas e fotógrafos estavam mantidos á distância por um cordão de isolamento e eu ficara próximo a Elle devido a minha credencial de funcionário. Gravador portátil escondido no bolso do paletó, aproximo-me da comitiva que o acompanhava ainda receoso em abordar a pessoa mais importante da nação em momento tão desfavorável, mas a pressão exercida durante toda a semana para que eu executasse minha “missão” fez com que eu deixasse temores de lado e, quando me foi dada a oportunidade, tirei o gravador do bolso, coloquei-o próximo a Excelentíssima boca e iniciei a pergunta: “Presidente: o que o Senhor achou...”

Acuado, contrariado, Elle segurou meu braço com firmeza e fulminou-me com um olhar. Não lembro o que Elle me disse. Talvez uma simples negativa, ou um “por favor” inundado de rancor. Sei apenas que gelei diante daquele olhar raivoso e fiquei estático, no meio da pequena comitiva, sem atentar para o que a minha inconseqüente ousadia poderia me custar, como a intervenção mais voluntariosa de um segurança presidencial, fato que, felizmente, não ocorreu.

Minutos após a saída Delle, uma das minhas chefes perguntou se eu havia, “gravado” as palavras do Presidente sobre a nossa entidade. Diante da minha negativa e sem esperar explicações, ela “collorida até a alma”, ensaiou um pequeno escândalo, mas quem sabe ao lembrar-se de onde estávamos, guardou para si a sua afetação.

Confesso que durante algum tempo minhas noites de sono foram interrompidas por pesadelos com Elle e o episódio em que protagonizáramos, todavia, outubro daquele 1992 chegou e Elle foi-se embora da Presidência da República e eu o esqueci.

Semana passada, ligo a televisão e constato que Elle voltou para cumprir um mandato de oito anos como Senador. Está bastante envelhecido para os seus 57 anos. Eu também envelheci, considero-me amadurecido – seria impensável eu abordá-lo hoje da maneira que fiz há 15 anos – e espero sinceramente que Elle também esteja para que eu e os mais 180 milhões de brasileiros possamos dormir em paz, longe de pesadellos escabrosos.

*Crônica escrita em fevereiro de 2007, republicada em virtude do reaparecimento da truculência do personagem em questão.

3 comentários:

  1. Finalmente o regresso! Muito bem vindo e traga sempre novidades.

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  2. Hehehehe, Meu irmão servia no BGP (Batalhão da Guarda Presidencial) na época e tinha tirado uma foto com elle... Mostrava todo orgulhos.

    Bom, isso até o impeachment.

    Depois esqueceu-se da foto, de Brasília ou mesmo que tinha servido no Exército, por conta disso...

    ficanapaz

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  3. Minha vida pessoal foi diretamente afetada pelas loucuras delle.Não dá pra acreditar que ele volltou.

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