31 de agosto de 2010

É Quase Tudo Verdade

Devagax, Kátia Demal Comavida, bom dia. Com quem eu falo?
— Bom dia meu nome é Lameque Hyde e...
— Em que posso ajudá-lo, senhor Hyde?
— Bem, eu ontem fiz um pedido de visita técnica para verificação da nossa conexão e...
— Qual o número com DDD do telefone onde a conexão está ligada?
— (69)1234-5678...
— Um momento, por favor...
Cinco minutos depois...
— Mais um momento por favor...
Dois minutos depois...
— Senhor Hyde, aqui não consta nenhum pedido de visita do técnico ao endereço onde a linha está ligada.
— Mas como? Eu mesmo fiz o pedido ontem e...
— Em nossos registros constam que seu último pedido de visita técnica foi em 30 de fevereiro de 2008...
— 2008? Mas eu fiz o pedido ontem e...
— O senhor vai me deixar concluir?
— Mas é você que está me interrompendo a todo momento! Eu só quero que minha conexão funcione! Está tudo parado há quase 24 horas e...
— O senhor não precisa se exaltar. O senhor não está falando com nenhum dos seus subordinados.
— Que subordinados, minha filha?
— Meu nome é Kátia, senhor.
— “Minha filha” foi uma forma de tratamento gentil, por favor.
— Senhor Hyde, assim eu serei obrigada a encerrar o atendimento já que o senhor está sendo irônico...
— Mas como irônico? Eu só quero a nossa conexão funcionando.
— Se o senhor continuar com essas ironias, terei que encerrar o atendimento.
— Mas que ironia? Pelo amor de Deus!
— Sua respiração foi uma demonstração de deboche.
— E eu vou ter que parar de respirar agora? E esta pergunta não é em tom de deboche, ok? Vamos fazer uma coisa? Vamos recomeçar o nosso diálogo do zero?
— Se o senhor me deixar concluir...
— Então conclua, por favor.
— Como eu estava dizendo antes de ser bruscamente interrompida, sua última visita técnica agendada foi no dia 30 de fevereiro de 2008. Aqui em meus registros consta que ontem o senhor pediu o conserto de sua conexão de banda larga. Nossos técnicos estão verificando a viabilidade de conserto direto. Em caso de impossibilidade aí sim será agendada uma visita.
— Kátia, posso perguntar uma coisa? Não estou sendo irônico.
— Claro que pode, senhor Hyde.
— Fui informado que o meu caso deveria ser resolvido em oito horas. Já faz mais de um dia que eu estou sem internet. Como podemos resolver este problema?
— Recomendamos que o senhor aguarde. Farei um pedido de urgência para o seu protocolo aberto. Quer anotar o número?
— Claro que sim! E não estou sendo irônico, ok?
— o número é. 39485945008772298569020985874040339475767455587783948559-3. Anotou?
— Sim, sim. Mais uma coisa: vocês tem uma Ouvidoria?
— As reclamações só podem ser feitas através do nosso site.
— E como eu vou acionar o site se eu estou sem conexão?
— O senhor está sendo irônico de novo, terei que encerrar o atendimento.
— Não! Por favor! Peço desculpas, ok? Você aceita? Sem ironias.
— O senhor não tem necessidade de me pedir desculpas, senhor Hyde. Estou aqui apenas para atendê-lo da melhor maneira possível, mas isto não lhe dá o direito de ser rude comigo.
— Ok, Ok. Só para encerrar. Porque você não vai para a puta que pariu?
— O senhor está sendo grosseiro.
— Mas pelo menos não usei de ironia, não é verdade? Tenha uma boa tarde, do fundo do coração.
Cinco minutos depois, a conexão volta a funcionar.

18 de agosto de 2010

Bodas de Outono

Consultou o relógio cogitando a hipótese de Janete haver desistido. Ele sabia que o atraso das noivas fazia parte de um ritual cumprindo a risca por dez entre dez mulheres, mas aquela demora o consumia em incertezas. Motivos para temer o abandono em pleno altar não ele não poderia deixar de tê-los, afinal, houve muita oposição da parte dos parentes da noiva em relação aquelas bodas. “Onde já se viu? Unir-se a um homem que mal conhecia?” tornou-se um bordão entre boa parte dos familiares da noiva que também definiam o casório como “um gesto de irresponsabilidade em dose dupla”. Entretanto, a futura companheira dobrara a todos se utilizando daquilo que Nestor logo percebeu ser uma das suas maiores virtudes: a teimosia. Casariam-se e ponto final. O resto “que se danasse” como Janete costumava dizer com singela naturalidade.

O noivo afrouxou levemente o incomodativo nó da gravata enquanto matutava sobre a possibilidade de Janete haver de véspera pesado os prós e os contras de uma união com aquele quase desconhecido e concluir pela desistência. Encarando de cima do altar as incontáveis cabeças humanas a congestionar o átrio da igreja, Nestor pensou no papel mais ridículo que ele representaria em sua vida medíocre caso a cerimônia não se realizasse.

Recordou-se do primeiro encontro entre dois, em uma feira-livre, há algumas semanas, quando ele ainda lutava para acostumar-se ao vácuo provocado pela ausência da sua esposa. Desde a sua partida, Nestor descobrira o quanto fora dependente da mulher e o resultado desta submissão o tornara incapaz de lidar com as mais corriqueiras tarefas domésticas. Sempre fora homem da rua, provedor de uma casa que, ausente de filhos, funcionava satisfatoriamente sob o comando da companheira. Agora, além da dolorida saudade, tinha que, resignado, adaptar-se a sua nova vida e tentar vencer e o desafio que uma banal feira-livre poderia representar.

Foi dela a iniciativa de aproximar-se e perguntar ao homem atrapalhando diante do dono da barraca de temperos se precisava de ajuda, depois de observá-lo confundir de modo patético um molho de salsa com outro de hortelã. Janete em minutos desvendou-lhe os segredos das especiarias, apresentadas a Nestor embrulhadas por cativantes sorrisos. Tímido, o homem agradeceu o que a princípio lhe pareceu certa intromissão de uma desconhecida, mas a simpatia que aquela mulher suburbanamente trajada e puxando um carrinho de feira emitia desfez a sua prelúdica má impressão. Em minutos, Nestor deixou a feira-livre com a leve sensação de estar apaixonado.

E era paixão mesmo, das boas. Desde que conhecera Janete, a ida semanal à feira tornou-se um acontecimento especial na vida de Nestor. Arrumava-se como se a um importante evento fosse, trajando roupas da melhor maneira aceitável para aquele ambiente, tomando cuidado de não destoar dos outros freqüentadores e tornar-se uma figura caricata entre as barracas de frutas e legumes. Quando avistava Janete, seu coração galopava de ansiedade. Forçava a coincidência do encontro e ia feliz em companhia de sua amada, trocando simpatias entre odores de peixes, reclamando dos preços em meio a temperos e hortaliças, falando mal do governo tendo como fundo musical o pregão dos feirantes.

Um dia, Janete o convidou para irem ao cinema. Apesar de surpreso pela audácia do convite, ele alegremente aceitou. Nestor gostava de comédias açucaradas, Janete adorava filmes de terror. E na escuridão do cinema, entre gritos histéricos da mocinha perseguida por um psicopata na tela em cinemascope, o casal trocou o primeiro beijo. Na semana seguinte, no alto de uma roda-gigante, ela o pediu em casamento. Novamente surpreendido pela ousadia feminina, Nestor aceitou sem pestanejar.

Pendurado naquele altar, imerso em verdes recordações, Nestor envergava seu terno de missa, ensopado pelo suor que o calor daquela tarde-noite de verão produzia. Associava-se ao desconforto do clima quente o seu nervosismo em protagonizar aquele espetáculo sob risco de não se realizar.

Suas dúvidas foram sepultadas ao ouvir os primeiros acordes da marcha nupcial invadindo a nave com Janete surgindo na entrada da igreja. Uma linda noiva, conduzida com seriedade pelo seu irmão preenchendo a lacuna deixada pelo pai falecido. Para Nestor, pareceu uma eternidade a distância percorrida pela futura esposa até o altar. Seu cunhado, um tanto contrariado, a entregou e, diante do sacerdote, os dois selaram sua união perante Deus e os mortais.

Festa simples. Bolo minúsculo onde não faltaram o casal de noivinhos no topo, sidra ordinária estourada e votos de felicidades. Lua-de-mel mais parcimoniosa ainda, no quarto onde de agora em diante eles iriam morar. Estavam casados. Era o que interessava. O resto “que se dane”, pensou Nestor com sorriso maroto estampado na cara, deitado na cama de casal, na companhia do seu pijama novo, comprado especialmente para a ocasião. Janete saiu do banheiro vestindo sua camisola de núpcias encobrindo o corpo magro. Sorriu para ele. Nestor estendeu o braço direito e ofereceu o ombro para a esposa aninhar-se. Passaram a noite assim, abraçados, trocando confidências e juras de amor até que o sono os assaltasse. Quem precisava de sexo aos oitenta anos? Ambos haviam experimentado destes prazeres com seus respectivos primeiros cônjuges. Para aquele casal de agora ex-viúvos bastava a mútua companhia. O resto, inclusive os idosos, testemunhas da sua noite de núpcias, que ocupavam aquela ala dos dormitórios do asilo onde eles se internaram para viver o outono de suas existências, que se danassem.

Finalista no XII Antologia de contos Alberto Renart - Fundação Cassiano Ricardo - 2006

10 de agosto de 2010

Rompimento e Reconciliação

Viu que já era hora de abandonar as amantes. Decisão tomada, rasgou e jogou na lixeira a Playboy escondida no banheiro.
Arrependido, resgatou-a da lata de lixo. Utilizou-se de fita durex. Seu destempero deixou cicatrizes.

7 de agosto de 2010

Sonho 01 – Marinho e a Antologia

Estou em um carro de luxo. A meu lado, no banco de trás, Roberto Marinho. O carro para em frente a uma igreja. Marinho desce e eu o acompanho. Sou um assessor seu. Há um corte temporal e já nos encontramos do lado de fora da igreja. Pessoas se ajoelham e reverenciam Marinho. Novo lapso temporal e eu já me encontro em casa. A decoração é despojada, clean. Companhia. Um carteiro me entrega uma encomenda. É um exemplar da segunda antologia do Bar do Escritor. Reconheço a capa preta e o cardápio estilizado.

Lameque da Silva Hyde

Sujo, pervertido grotesco e bonachão, Lameque foi o pior poeta que eu já tive o desprazer em ler. Uma cópia mal ajambrada de Gregório de Matos. Contudo, diziam que seu contos eram bonzinhos, um Bukowiski mezzo-tupiniquim, mezzo-carioca com uma lábia forjada nos botequins fétidos de Copacabana. As personagens eram quase sempre oriundas do underground: bandidos, prostitutas, cafetões, desempregados, etc. Eu detestava seu estilo mas, como há gosto para tudo...

Lameque se foi. Dizem uns que morreu após devorar uma panqueca da carne (sua iguaria predileta) supostamente envenenada por um marido traído. Outros afirmam ter ele sofrido um ataque cardíaco em pleno ato dentro de um bordel copacabaniano. Nunca saberemos mas, ele deixou um legado, um pequeno e nada singelo livro de contos que, sabe-se lá porque, eu posto o link abaixo.
Aqui Jaz Lameque - Contos - Editora Agooks

2 de agosto de 2010

O Vírus Nosso de Cada Dia

A navegação se fazia em límpidas águas cibernéticas. Nenhuma marola virtual, tempestades afastadas. Uma ou outra demora em abrir um determinado site, mais pela caduquice do meu PC do que a conexão em velocidade de cágado manco. De repente, a desagradável surpresa! Um alerta de vírus! "Nada de pânico! Respire fundo, você está protegido!", tranqüilizei-me. "Não vá me dizer que não atualizou o antivírus!", bradou a voz interna da consciência. Temi o cyber-apocalipse por uma fração de segundos.

Certa apreensão tomou conta do cronista. "Maldita dúvida", lamentei. Sempre confiei nos fabricantes de software e suas garantias de que o antivírus é atualizado periodicamente por meio daqueles downloads automáticos que nos assustam a cada nova conexão efetuada. Contudo, a julgar o infinito número de vírus de computadores nascidos a cada dia, considerei a possibilidade de algum deles ter escapado da patrulha do fabricante, contaminado meu disco rígido.

Relaxa, sujeito. Se o antivírus detectou alguma coisa errada em seu computador, é evidente que o inimigo plantado em seu território será eliminado, varrido das cercanias do seu HD. Disfarçando o medo, fiquei a observar atento o trabalho de varredura que o antivírus mostrava na tela, acompanhando os milhares de arquivos pesquisados, torcendo para que o teste se encerrasse e o Generic3.jrl, nome do invasor impertinente, fosse finalmente deletado.

40069 arquivos scanneados depois, dirigi-me sem perda de tempo para a área de resultados do scan test. A palavrinha mágica surgiu, não em luz néon, piscante, reluzente como exigiria a ocasião, mas um simples, em corpo dez ou doze, “deleted”. "Três vivas ao cão de guarda que zela pela segurança deste computador!", gritei entusiasmado.

Após o incidente, uma neurose instalou-se no meu disco rígido de carne, eufemismo tosco que uso para referir-me ao cérebro humano. Generic3.jrl fora abatido em pleno voo, mas, se algum programa espião não localizado estivesse lá dentro, vigiando meus passos, roendo meu Hard Disk, desvendando minha senhas?

Scannei nos arquivos da minha mente por onde os clicks do meu mouse haviam me levado em navegações pelos mares da Internet. Nada de anormal. Não acessei sites pornográficos, abri e-mails com notificação de que eu estava com o nome no SPC e muito menos cartões virtuais suspeitos. Mas, pelo sim, pelo não, compras feitas na rede, de agora em diante, só através da impressão de boleto bancário.

Bons tempos em que Cavalo de Tróia era apenas um presente de grego para troianos, vírus só provocava gripe e espião coisa de aventuras filmadas do James Bond.



1 de agosto de 2010

Link para minha entrevista no portal Araçatuba e Região

Falamos sobre o processo de criação e eu aproveitei para elogiar duas comunidades do Orkut onde jorra gente talentosa: A "Concursos Literários" e o "Bar do Escritor".

http://www.aracatubaeregiao.com.br/entrevistadozulmarlopes.htm