29 de março de 2011

O Cheiro da Carne Queimada

Em primeira mão, a capa do meu livro de estreia. O Cheiro da Carne Queimada (contos). Editora Caki Books.
Sairá impresso (sob demanda) e em e-book. Arte de Kim Hodge, edição de Camila Cabete.
Agora, falta plantar o filho e ter uma árvore.

17 de março de 2011

Pelo Japão

Reproduzo abaixo o pedido de um amigo, Edweine Loureiro, brasileiro morando no Japão. É a literatura  prestando solidariedade em um momento tão doloroso.


"Amigos, moro no Japao e posso dizer que vi a morte de perto nos ultimos dias. Para ajudar as vitimas, decidi tirar os manuscritos da gaveta. As cronicas que escrevi para o Desafio dos escritores publiquei-as atraves de um grupo chamado CLUBE DOS AUTORES. Nao sei quantos exemplares venderei, ou se mesmo venderei algum, mas todo dinheiro arrecadado pretendo ajudar as vitimas do terremoto, principalmente em Miyagi (Sendai) e Iwate. Desde ja, agradeco a divulgacao:

http://www.clubedeautores.com.br/book/40992--Clandestinos
E que Deus abencoe o Japao!

Desde ja, humildemente, agradeco a todos que me ajudaram e virao a judar-me nessa empreitada.

Cordialmente,

Edweine Loureiro"

12 de março de 2011

Medos, Mitos e Ingenuidades Infantis

Cientistas descobriram recentemente que os dentes de leite são um manancial de células-tronco e já estão recomendando os pais para guardarem os dentinhos dos filhos da mesma forma que hoje se armazenam os cordões umbilicais para uma eventual necessidade futura de seus rebentos. Caso eu tivesse uma bola de cristal e ficasse sabendo com antecedência desta descoberta, não teria, durante minha adorável criancice, vendido meus dentes-de-leite para a Fadinha do Dente.
Vendi sim, pela bagatela de 50 centavos de cruzeiros cada dente. Quando eles não se sustentavam mais dentro da minha boca, lá ia eu alegremente deixá-los na janela da casa para que a Fada do Dente desse o destino que ela achasse conveniente. Não podia duvidar de sua existência, pois cada dente depositado à noite era metamorfoseado em uma moeda no dia seguinte. Eu não estabelecia preços, a Fada que julgasse o quanto meus molares, pré-molares e aprendizes de caninos valessem. Deixei de crer na Fada no dia em que um dente jazeu por dias no parapeito da janela. Foram tempos difíceis, em que cada moeda deveria ser empregada no orçamento doméstico em detrimento dos sonhos de infância.
Além da Fada do Dente, eu cria piamente nos Corpos Secos, entidades que viviam na laje do prédio onde eu morava. Sofria torturas psicológicas, era ameaçado de ser enviado para um exílio no forro do edifício caso não comesse, pois lá era o lugar de corpos secos. Amedrontado, devorava minha refeições com medo do meu futuro em cima da laje.
Creio que na categoria monstros, só mesmo o advento do Camisurê, criatura sem forma definida que só a menção do seu nome aterrorizava o meu sobrinho de cinco anos. Dizem que os Camisurês moram debaixo das camas das crianças e as assustam quando elas à noite se aventuram pelo breu da casa. Criação de uma tia minha para manter seu neto sossegado durante as madrugadas, o Camisurê talvez seja a única assombração infantil de caráter exclusivo, só o meu sobrinho acreditava nele. É possível que, com o seu crescimento, a raça dos Camisurês tenha sido extinta da face da Terra.
Eventualmente, os medos infantis escoram-se em possibilidades reais, ainda que improváveis. Passada a fase de fadas e monstros, fui tomado pelo pânico de ser atingido pelo Skylab, primeiro laboratório espacial que, devido a uma pane, caiu na Terra. Como era a primeira experiência humana neste tipo de acidente, ninguém sabia ao certo onde o laboratório cairia e se o Skylab se desintegraria em contato com a atmosfera terrestre e, mesmo que tal fato acontecesse, pedaços da geringonça espacial poderiam atingir algum terráqueo azarado. Por semanas não consegui dormir direito esperando o fim do Skylab e só me acalmei quando soube que ele havia caído em um deserto despovoado na longínqua Austrália – não tão distante assim, afinal, o mundo é redondo. Deu um friozinho na barriga ao ver que o maior pedaço recolhido do Skylab era uma enorme porta, capaz de provocar um belo estrago na cabeça de alguém.
Hoje, infelizmente, Bichos Papões não assustam mais as crianças. O perigo é real e imediato, na forma de balas perdidas ou Caveirões, apelido dado pela população carioca aos veículos blindados utilizados pela polícia do Rio de Janeiro quando em missão dentro das favelas. Saudades da ingênua infância. Medo da realidade adulta.

Menção Honrosa no Prêmio Cidade de Porto Seguro de Crônicas - 2008

3 de março de 2011

Diva

Entrou um tanto cabisbaixo na loja de lingerie do shopping congestionado pelo temor em ser reconhecido. Tremia ante a possibilidade de deparar-se com alguma amiga da sua esposa em tão inusitado local para uma figura masculina. Perguntas maliciosas certamente seriam a tônica do hipotético encontro. Logo ele, um preservador de sua imagem de homem integro, temente a Deus até as entranhas, bom pai de família, marido exemplar. Fez menção em dar meia volta e abortar o plano traçado há meses quando uma vendedora aproximou-se exibindo um sorriso artificial, perguntando-lhe o que desejava. Suores transbordavam de sua face, traçando afluentes pelo pescoço, empapando o colarinho. Pediu uma calcinha vermelha. “Qual o tamanho?”, inquiriu a vendedora. “A menor que você tiver”, respondeu timidamente. Comprou ainda um sutiã, cinta-liga e meias, todas escarlates como a calcinha, sendo esta minúscula, menor do que já se poderia ser chamado de um modelo indecente.
Continuou sua insólita romaria por uma loja de sapatos. Comprou um salto alto, agulha. Atravessou em seguida o corredor do shopping preparando-se para sua mais audaciosa tarefa: a compra da peruca. Diante da vendedora, uma senhora com ares aristocráticos, a encará-lo de modo interrogativo, pediu uma peruca loira, comprida, fios até a cintura.
Pelos corredores do shopping descobriu um quiosque onde eram vendidas tatuagens temporárias, em forma de decalques. Adquiriu a figura de uma maçã, pecadoramente mordida. Quando já deixava a catedral de consumo, bateu com a palma da mão direita no alto da careca. Estava esquecendo um dos itens mais importantes: um aparelho de barbear.
Chegando a casa, encontrou a esposa ansiosa pela sua demora. Sem delongas ela se apoderou das bolsas de compras e foi para o quarto montar-se. O conjunto de cinta-liga, sutiã, meias e calcinhas, caíram-lhe bem no corpo balzaquiano. Os sapatos ficaram apertados. O esposo nunca acertava o número que ela calçava. Já a peruca construiu na mulher uma aparência germânica, a despeito da cor amorenada de sua pele. Quanto à buceta, o próprio marido fez questão de depilar. Ela arriou as calcinhas até os tornozelos. Sentimentos conflitantes de medo e excitação a assaltaram enquanto permanecia de pé, pernas abertas, sentindo o aparelho de lâmina afiada, impecavelmente manejada pelo marido, raspando-lhe o púbis. Como toque final, a tatuagem em forma de maçã mordida foi estrategicamente decalcada no lado esquerdo de sua bunda.
O homem não cansava de encarar, encantado, a nova mulher que concebera. Batizou a personagem interpretada pela esposa de Diva. Após doze anos de um casamento levado a banho-maria, Diva seria a sua primeira amante.

Vencedor do Prêmio Letra Exótica na categoria conto erótico - 2010