24 de julho de 2010

Tecido Adiposo

Vibrou quando seu pai concordou em assinar a TV a cabo. Um ponto em seu quarto. 130 canais. O mundo em sua casa ao simples toque no controle remoto, Finalmente ela teria sua Babel eletrônica. No primeiro dia, Nandinha virou a noite assistindo TV. Uma cachaça. Viu até os canais em línguas que não podia compreender. Em semanas ficou obsedada, telesedada. Não saia da frente do aparelho, tinha como desafio assistir todo o entretenimento que o cabo proporcionasse. Papai e mamãe ficaram preocupados com o comportamento da filha.

Foi a mãe que de inicio notou o engordar de Nandinha. Uns dois ou três quilos. Lamentou o sedentarismo em que a filha se metera após a chegada da TV a cabo. Que fosse coisa passageira, desejou.

Mas a menina danou de engordar. Em dois dias não conseguia passar pela porta do quarto. Um médico veio examiná-la. Assustado, receitou moderadores e caminhadas. Após uma semana, foi necessária a derrubada da parede divisória entre o quarto e a sala, pois seu corpo tomou o cômodo. Pouco a pouco toda a casa foi sendo invadida pela gigantesca massa disforme em que a menina se transformara. A solução foi demolir a casa inteira para livrá-la de morrer espremida pelas paredes.

Livre das paredes, Nandinha em horas atingiu a altura de um prédio de quatro andares. Juntou a vizinhança para ver o circo de horrores encenado naquele quintal. Não demorou muito para um sujeito começar a vender refrigerantes e cervejas para os curiosos que assistiam Nandinha engordar, em questão de tempo outros ambulantes fizeram o mesmo e logo um comércio se formou em torno da adolescente. Depois chegaram os repórteres de TV e imprensa em geral. Ela sorriu e acenou para as câmeras, entendendo que agora era uma celebridade. A noite, o Brasil e o Mundo tomaram conhecimento via satélite do drama de Nandinha.

Seu corpo avançou sobre quarteirão, destruindo as casas vizinhas, tomando as ruas. Cientistas vieram de diversas partes do mundo estudar o fenômeno e não encontraram uma fórmula para estancar o crescimento da menina, mas alertaram que naquele ritmo, a obesidade de Nadinha em meses poderia tomar todo o planeta. A notícia causou pânico mundial. Milhares de pessoas migravam de suas casas que iam sendo engolidas pelo voraz crescer das gorduras da adolescente. Em contrapartida, religiosos de diversas seitas iam ao seu encontro tentar, por intermédio da fé, cessar o que os orgulhosos sábios não conseguiram. Fracassaram. Cogitou-se a vinda do Papa para benzer Nandinha, mas bancada evangélica no Congresso enciumada vetou a empreitada.

Os norte-americanos, Senhores de tudo, trataram de enviar um porta-aviões equipado com armas nucleares para a costa brasileira. Se preciso fosse bombardeariam Nandinha ao menor sinal da ameaça adiposa tomar direção do Hemisfério Norte. Associações de direitos humanos e estudantes organizaram passeatas em favor de Nandinha e o povo sem alternativas ficou a espera do seu destino: Ser tragado pela gordura de Nandinha ou o extermínio nuclear proposto pelo americanos. Nandinha, com a cabeça literalmente nas nuvens, a tudo assistia com um cândido sorriso.

Quando o planeta já se preparava para o pior o inesperado aconteceu. Nandinha arrotou. Como estava virada para o Oceano Atlântico, o eco do seu arroto foi testemunhado em algumas aldeias africanas. Alguns nativos saudaram aquele som como a voz dos deuses e dançaram em agradecimento.

O arroto fez com que o corpo de Nadinha começasse a murchar. De sua boca saiu um vendaval que durou três dias. O hálito de Nandinha espalhou um odor carniceiro por toda a cidade do Rio de Janeiro, até que a menina voltasse ao tamanho normal. Depois, a ela caiu em sono profundo. “Glória Deus”, gritaram alguns crentes, enquanto esotéricos faziam cerimônias em volta da menina também agradecendo às vibrações que acreditavam haver proporcionado o feliz desfecho do fenômeno. O Exército Americano recolheu suas ogivas. O que a imprensa batizou de “A Ameaça Adiposa” havia passado. Os cientistas gastaram semanas formulando teorias explicativas para o acontecido. Houve debates nas TV em horário nobre.

Nadinha dormiu por seis meses. Acordou como se tivesse despertado de um pesadelo. Percebeu que morava em outra casa. Mamãe e Papai a olhavam comovido. A menina esfregou os olhinhos. E perguntou:
— O que e está passando na TV?



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