16 de novembro de 2011

Afinal, o que querem os ecologistas?

A bola da vez é a Usina de Belo Monte. Temem os ecologistas que o lago a ser formado cause um impacto na fauna e flora da região e prejudiquem certos povos indígenas que lá habitam.
Existem outras possibilidades para que a região não permaneça às escuras. Acredito que nenhuma delas agradaria aos ecologistas.
- Uma usina atômica em plena região amazônica;
- inundar a região com usinas termoelétricas, altamente poluentes;
- energia solar, caríssima para os consumidores;
- viver no breu e curtir o belo céu da região. Até mesmo está possibilidade seria perigosa pois as velas podem provocar incêndios.
Afinal, o que querem os ecologistas? O Brasil é altamente privilegiado em rios que formam quedas d’água. Abdicar deste handicap em nome de causas nobres mas prejudiciais ao desenvolvimento do país?
Já imaginaram o que seria do Brasil, um país claramente vulnerável a apagões, como ficou comprovado nos últimos anos, caso não existisse a usina de Itaipu? Lá o lago também afetou os ecossistemas e desalojou pessoas.
A causa ambiental é bonita, reconheço, desde que não prejudique o principal interessado: o homem.

11 de outubro de 2011

A Salvação da Lavoura


Uma danação lhe consumia desde que soubera do tal satélite. A coisa que os homens tinham botado lá no céu ia despencar, ouvira no rádio da bodega do Simão no sábado em que aproveitara pra tomar uma carraspana e esquecer a maldita vida que levava. De principio, não compreendeu bem o que sucedia. Necessário que Dalemberte, letrado em cidade grande e professor naquele fim de mundo, explicasse o que se passava. “Pode cair em qualquer, lugar, até em sua roça, Zé”. – sentenciou o estudado.
Voltou para casa bêbado e reflexivo. Enquanto vencia a distância e o breu da noite até o sitio de onde tirava o sustento na lavoura subsistência, ficou a matutar aboletado na carroça sobre a possibilidade do tal engenho destruir seus pés de feijão e mandioca, ferir um dos meninos ou Vicentina, com quem dividia a rede. Que mundo injusto, meu Deus. Tanta gente má para que o satélite varresse da Terra e gente honesta e temente a Deus, feito ele, correndo risco. Podia bem cair lá naquela Brasília da qual haviam lhe falado que a roubalheira imperava, ou mesmo na cabeça do atual prefeito, um poltrão. Deus podia guiar ainda o negócio para despencar lá na terra dos gringos que haviam inventado a moda. “Você acha que o negócio vai bater justamente nos Estados Unidos, Zé? Larga de ser trouxa, homem! Eles vão dar um jeito de desviar”. – havia dito o professor. Zé não sabia onde ficava os Estados Unidos e tão pouco desconfia que o planeta fosse composto de dois terços de água e que as chances de alguém se ferir com o satélite eram diminutas. O desconhecimento era justamente o que o assustava.
Naquela madrugada, a despeito da bebedeira, não pregou olho. Passou os dias consultando os céus para que, ao menor sinal do maldito, tentasse ao menos salvar a família. Passaram semanas. O sábado era gasto na cachaça e colóquios com Dalemberte que, ou invés de tranquilizá-lo, parecia divertir-se com as expressões terrificadas que a face do matuto esculpia. “Pode ser radioativo, Zé”.
Zé não sabia o que era radioatividade, mas conhecia o medo, temia o desconhecido.
Homem fechado, não revelava a Vicentina o motivo de suas preocupações. Desconfiava a mulher que, sempre de olho no céu, o marido ansiava uma boa temporada de chuva para garantir sua plantação. A roça já andava mesmo de mal a pior. O sol castigava. Resolveu fazer uma novena forte para que São Pedro mandasse dos céus a salvação da lavoura.
Certa noite despertaram com um clarão iluminando a roça e um estrondo varando os ouvidos. Zé, acompanhado da mulher e dos meninos, correu para o local. Um pedaço de metal retorcido, do tamanho de uma saca de feijão, jazia no solo rachado pela seca. Tranquilizou a mulher que acreditava ser um santo que houvesse caído de uma nuvem numa boa de fogo e esperou que o objeto esfriasse por si só. Não podia gastar a parca água barrenta que ainda lhe restava no poço artesiano.
Viviam afastados e, assim, ninguém percebeu o acontecido. Quando o caco do satélite finalmente esfriou, Zé e os meninos o colocaram na carroça e cobriram com uma lona. O mais velho foi com ele. Pegaram uma estrada e gastaram quase dois dias para chegar ao que mais aparentasse ser uma cidade. Durante o percurso alimentavam-se de farinha e bebiam o necessário. Era dia de feira. Ele expôs sua mercadoria. Disse ser o tal satélite. Muitos duvidaram. Dos que creram, um dono de ferro-velho que pagou quinhentos contos pelo artefato. Zé e sua família viveram um mês do que se convencionou ser fartura naquele miserável lugar. Restava as rezas para que, antes que a lavoura se perdesse, São Pedro mandasse algo dos céus. Até mesmo chuva teria serventia.

21 de setembro de 2011

Crônica de um Aprendiz de Craque

Observando o craque Romário às vésperas do seu milésimo gol e considerando que temos a mesma idade e alturas semelhantes (meço 1 cm a mais e nisso eu ganho do Baixinho) fiquei e me perguntar: por que ele se encontra próximo a história marca e não eu?
Explico: já fui craque, acreditem, goleador do time de moleques do conjunto residencial (“condomínio” é coisa da moderna classe média) onde morava em Inhaúma.
Tratava-se do glorioso Botafoguinho, camisa escolhida em virtude de nenhum dos bravos jogadores torcerem pelo time da estrela solitária, e que marcou época por suas atuações no campinho de areia ao lado do conjunto. Concebido por Seu Maurício, um Sargento da PM que encontrou no futebol uma maneira de socializar seu tímido filho, tinha com time-base a seguinte escalação: Reginaldo no gol; na Zaga, Tadeu, um clássico beque de roça que chutava para onde o nariz apontava; no meio campo- Maurinho, filho do Seu Maurício e Paulinho, já na época um volante moderno (ainda se usa o termo “volante” para cabeça-de-área”?) . O ataque era composto por mim e Taiaia, cujo apelido provinha de suas incompreensível articulação das palavras, lembrando um chinês quando falava. Cinco na linha e um no gol.
Éramos praticamente imbatíveis, se bem que no conjunto, além do Botafoguinho, existiam apenas dois outros times: Um era o Estrela, formados por alguns perebas que não tiveram chance no Botafoguinho e tinha como uniforme uma camisa branca da Hering com um estrela vermelha costurado no peito. Como as mães dos jogadores foram as responsáveis pela camisa de cada filho, alguns atletas exibiam no peito a estrela de cinco pontas, enquanto outros usavam no uniforme a indefectível Estrela de Davi.
A outra equipe era o Fluminensinho, que existia mais virtualmente. Alguém possuía um surrado jogo de camisas tricolores que era distribuído aleatoriamente entre os garotos da região que improvisavam um esquadrão para nos enfrentar quando o Estrela por algum motivo esta impedido de medir forças com o nosso Dream Team.
Mas, o que o Romário tem a ver com essa história?
É que, dada a fragilidade dos nossos adversários, eu e Taiaia nos destacávamos como duas máquinas  mirins de fazer gols. Acreditando em nosso talento com a bola nos pés, o pai de Taiaia resolveu nos levar para um teste nas divisões de base de um time chamado Everest. Seria a  nossa chance de calçar chuteiras e participar de um campeonato da Federação. Acontece que  minha mãe não curtiu a ideia de me deixar sob a guarda momentânea do pai do Marquinhos, verdadeiro nome do Taiaia. Na época um menino havia morrido atropelado nas cercanias do nosso conjunto quando saiu com um grupo para jogar futebol. A arte da prudência falou mais alto e mamãe vetou a empreitada.
Pois é. Minha carreira futebolística foi abruptamente interrompida. Terminou antes de haver começado. Nem sei se o Taiaia foi fazer o tal teste e, assim, Romário não teve um atacante de peso para rivalizar com ele nos gramados cariocas.
Dois meses depois, descobri-me míope e aos poucos abandonei o esporte bretão. O mundo acabou perdendo um atacante presunçoso e ganhou um cronista pra lá de medíocre. Sorte do futebol, azar da comunidade literária brasileira.


Escrita em 2007 e desengavetada após declaração de Cristiano Ronaldo sobre a inveja que o persegue pelo fato de ser bonito, rico e craque. Eu, que não possuo nenhum dos três atributos, posso dormir em paz, longe dos invejosos.



16 de setembro de 2011

Considerações Metropolitanas

Na última quinta-feira cometi uma proeza nesses meus tempos de distônico cervical. Usei o metrô, algo que não fazia há três anos desde que um sábio da engenharia de transportes decidiu acabar com a transferência na estação Estácio, sobrecarregado o sistema com uma absurda quantidade de passageiros. Distonia cervical, ainda acompanhada de subluxações nas vértebras do pescoço, não vem com manual de instruções e, reza as artes da prudência, que o contemplado fique afastado de eventos que possam comprometer a sua coluna.  Assim, uma viagem dentro do superlotado metrô carioca seria um convite ao agravamento da situação.
Eram apenas três estações até o consultório médico e o horário, em torno das 10 horas da manhã, se fizeram convidativos e resolvi arriscar. É dura e cara a vida de quem depende de taxis para se locomover e, pensando nos trocados economizados, cheguei à porta da estação.
Algumas coisas haviam mudado. Um curral de cordas foi criado para organizar a fila única até as bilheterias, algo desnecessário ao meu entender, visto que apenas uma das bilheterias estava em funcionamento. Agora também existe uma máquina para recarregar cartões de magnéticos, um self-service que só os ases da informática devem ser capazes de tirar proveito (sempre fico com dó dos velhinhos, que nunca conviveram com essas geringonças eletrônicas e são obrigados e se virarem diante de um caixa automático ou coisas assemelhadas). Mas, meu caso era pagar em espécie e espantei-me com o valor, três reais e dez centavos contra os dois e trinta e cinco do tempo em que eu era usuário e andar de metrô ainda era praticável e não uma aventura. “São só três estações, lembra-se?”, consolei-me.
Impressionou-me muito mal a péssima conservação da estação, antes, impecavelmente limpa. Como em três anos o metrô pode decair tanto? A privatização? Não. O metrô já estava nas mãos do empresariado há algum tempo. Descaso e falta de fiscalização do poder público talvez seja a melhor resposta. A sujeira era visível e as paredes com suas placas informativas apagadas por algum breves momentos me remeteu ao metrô em frangalhos no segundo filme da saga do Planeta dos Macacos e a cena do General Urco vendo um cartaz no vagão abandonado e descobrindo a origem da sua espécie. Um tanto exagerada a comparação, eu reconheço, mas a imaginação de um ficcionista funciona em qualquer hora e local.
A viagem foi tranquila. Fui em pé, contudo sem atropelos, em um vagão que possivelmente participou da inauguração do transporte metropolitano na cidade do Rio. O trem permaneceu parado aguardando a normalização do trafego em duas das três estações. Desci no Largo do Machado com a sensação de que, o outrora melhor meio de transporte do carioca transformou-se em uma lembrança para contarmos as futuras gerações.
À noite, um telejornal informa que os prometidos novos trens que melhorariam o sistema do metrô e que estão sendo fabricados na China demorarão um pouco mais. O terremoto no Japão foi a inusitada desculpa que se junta a um atraso de mais de um ano e meio. Novo prazo, fevereiro de 2012 para a chegada do primeiro trem. Considerando que, se os Maias estiverem corretos em suas previsões e o mundo se acabar em dezembro do próximo ano, é possível que um novo adiamento da chegada dos tais trenzinhos deixem os cariocas, com o perdão da brincadeira infame, a “ver navios”.
Em tempo: as mundialmente conhecidas esfirras do Largo do Machado continuam estupendas. Pena que não possa se dizer o mesmo do metrô.

11 de setembro de 2011

Sarah


Sopro de vida
que se fez carne
e já habita
entre nós
Trazendo consigo
a esperança
de dias melhores
nesse mundo pior
Bem-vinda

pingo de gente

milagre da existência
ainda frágil
tornar-se-á forte
Talvez índigo
Quimeras?
Desnecessária dúvida
pois já estás na Terra
Sarah
joia rara
de mil encarnações
Fantasias?
Inúteis divagações
pois já estás conosco
Chegou sorrindo
rebocando lágrimas
de alegria incontida
dos que a amam
e a acolhem

28/11/2007

4 de setembro de 2011

Fora dos Trilhos

Tenho uma relação de estranhamento e fascinio com os bondes de Santa Teresa. O bucolismo do bairro cujo pavimento de pedra riscado pelos trilhos nos remete ao principio do século XIX sempre contrastou com a íntima convicção que aquele meio de transporte era obsoleto e perigoso. Ingenuamente, eu acreditava que, em virtude de Santa Teresa ser uma área fortemente visitada por turistas, os bondes mereciam uma maior atenção por parte dos governantes e que os veículos deveriam ser modernizados mantendo apenas uma “casca” semelhante à original, preservando suas características tradicionais. Tombado pelo patrimônio histórico e sob a “irresponsabilidade” do poder público o bonde número 10 veio tombar literalmente, ceifando a vida de cinco inocentes.
A primeira experiência que eu travei com os bondes de Santa Teresa foi quando participei de um curso de guias de turismo na década de 90 e minha prova como guia seria exatamente o aprazível bairro. Necessitando conhecer previamente o percurso, rumei eu para a estação localizada em uma escondida rua próxima a Senador Dantas. Àquela época já experimentei enorme desconforto com o abandono dos bondinhos logo que pus os pés na estação. Esperei longo tempo para que surgisse um bonde. Não sabia que o meio de transporte voltava justo naquele dia após uma longa inatividade. Meia dúzia de testemunhas aventureiras me acompanharam na viagem de reinauguração do sistema, sem pompa, circunstância e autoridades, evidentemente sabedoras da qualidade medíocre do transporte que ofereciam a população.
Muito sacolejo, barulho do atrito das rodas sobre os trilhos e incrível sensação de insegurança foram as minhas primeiras impressões. As pessoas pegando o bonde andando e viajando no estribo também me causaram estranheza. E se elas caíssem? De quem seria a responsabilidade? Pensei durante todo o trajeto até o Largo das Neves. Na volta, uma turista holandesa teve sua bolsa arrancada das mãos por um assaltante que estrategicamente pulou antes do bonde entrar nos Arcos da Lapa. Certamente o sujeito há muito se utilizava da técnica de puxar os pertences de suas vitimas segundos antes do bonde tomar o estreito caminho sobre o antigo aqueduto. Providências para sanar o problema? Estatísticas de roubos? Certamente que não. À turista, ficou a aventura sobre sua passagem pelos pais selvagem a ser contada na roda de amigos europeus.
Contando o dia da minha prova de campo no curso de guia, devidamente atrapalhada pelo ensurdecedor barulho que o bonde emitia, peguei o veículo mais duas ou três vezes, sempre por insistência de amigos desejosos em conhecer a boemia de Santa Teresa. Passei a preferir o trajeto de microônibus.
Desde a tragedia, há pouco mais de uma semana, venho pensando constantemente no condutor Nelson Correia. Teria ele me transportado em uma das minhas minguadas experiências pelos trilhos de Santa Teresa? Confesso a minha comoção indignada quanto vi a viúva do seu Nelson chorando em um telejornal defendendo o seu marido das acusações de que ele seria o eventual culpado por não haver recolhido o bonde depois de um problema técnico anterior ao acidente que o vitimou junto com outras quatro pessoas. Já está se tornando prática no Brasil: culpar os mortos pelos seus próprios assassinatos anunciados em razão do descaso de quem deveria zelar pelo nosso bem estar.
RIP, seu Nelson.

2 de setembro de 2011

Aviso aos navegantes

O blogueiro, (ou seria melhor blogista?) que vos escreve não morreu. Uns probleminhas inesperados de saúde, a dedicação a outros espaços internéticos e a tentativa de terminar o meu romance tomam grande parte do meu "tempo ocioso", tempo esse que tem andado maior do que eu desejava. Espero voltar a "blogar" pelo menos uma vez por semana, para alegria, (ou desespero?) da meia dúzia de três ou quatro gatos pingados que ainda leem esse blog. 

Aproveito para avisar que a venda de O Cheiro da Carne Queimada continua de vento em popa. O que eu já recebi de direitos autorais me permitiram comprar uma pizza marguerita tamanho familia. O refrigerante dois litros eu paguei por fora. Nada mal, não é verdade?  :)

9 de julho de 2011

Roberto Klotz critica "O Cheiro da Carne Queimada"

Roberto Klotz, cronista de pena cheia da capital federal, escreveu uma palavrinhas sobre o meu livrinho que me deixaram envaidecido. Se eu usasse sutiã na certa ele já teria estourado.
"Ontem terminei de ler o livro do Zulmar Lopes. Letras miúdas em apenas 104 páginas. Demorei uns 15 dias. Não foi incompetência de leitura, nem má vontade. Foi puro tesão. Sabe aquela transa que, de tão boa, que você não quer ejacular e protela o gozo ao máximo para não findar os prazeres do momento?
Pois foi exatamente isso que aconteceu na leitura do livro. Lia alguns poucos contos e largava em algum ponto da casa. Depois lia mais um conto e abandonava noutro ponto da casa. Assim o livro peregrinou da cozinha ao banheiro do banheiro para o escritório. Dormiu no criado mudo e foi parar debaixo do sofá da sala. E, a cada conto gostado eu virava a orelha marcando o início do conto. Eu sempre faço isso com os livros de histórias curtas ou poemas para facilitar um eventual retorno ao livro. Quando terminei os 23 contos observei o livro com 15 orelhas além das duas que já vieram da gráfica. Um índice de aprovação fantástico. Imagine-se apreciando 18 músicas de um cedê de 23. Percebe o índice de acertos do Zulmar?

Eu já conhecia alguns contos do mestre Zulmar, inclusive deste livro porque frequentamos a comunidade orkutiana Bar do escritor e porque li algumas antologias onde estão algumas das obras premiadas em concursos literários. Tanto conhecia que estava muito curioso e enviei mensagem ao autor:

─ O conto com Dona Ernestina está no livro? ─ É que eu gostei tanto do conto que batizei Ernestina uma personagem de um dos meus contos prediletos.

─ Ernestina abre o livro. ─ Foi a resposta.

Mas e o livro? Porque é tão bom?

Se você acha o pôr de sol divino, o canto do sabiá maravilhoso e que rosas emanam desejos de amor então o livro que você procura é outro. Cheiro de carne queimada não é mimimi. É escrita politicamente incorreta. O autor narra histórias sórdidas colhidas no baú dos sete pecados.

Observe a construção deste personagem do conto A ferro e fogo

“A pergunta que Solange se fazia, Reginaldo Meia-Bunda tinha a resposta. Seu apelido politicamente incorreto resultara de uma poliomielite contraída na infância que atrofiara toda a musculatura da perna esquerda, deixando-o manco. Desprezado pelas mulheres e objeto de chacotas dos homens do bairro, Reginaldo Meia-Bunda pouco tinha de distração além do exercício da maledicência e o prazer pela intriga. Ouvidos apurados, captou notícias aqui e acolá a respeito de uma possível traição da mulher de Waldemar e, como percebera o sumiço do vascaíno Claudinei por aquelas bandas, juntou as peças do quebra-cabeça e, deleitoso por um escarcéu, decidiu encontrar o fugitivo. De fuxico em fuxico, Meia-Bunda logo chegou ao paradeiro de Cladinei, morando numa cabeça de porco nas franjas do bairro de Santa Cruz.”

Isso é exemplo para livros que ensinam como montar uma personagem.

Eu gostaria de ter escrito um monte destes contos. Somente um grande autor consegue andar no fio da navalha do erótico, do policialesco, do grotesco sem cair na vulgaridade.

Parabéns, Zulmar. Seu livro é ótimo.

Recomendo a leitura com entusiasmo."

25 de junho de 2011

Vovô Sobrado

Vovô Sobrado nem sempre foi vovô. Como todo mundo, embora fosse uma casa e não gente, ele nasceu criança. Já foi Sobradinho. Um jovem sobrado como muitas construções daquela rua no centro da cidade.
Cresceram juntas todas aquelas casinhas que, sem que desconfiassem seus moradores, tinham vida própria. Conversavam as casas entre si, trocando confidências sobre seus habitantes. Algumas se orgulhavam das pessoas a que nelas viviam, como o majestoso palacete do início da rua, moradia de um juiz de direito, ou o sobrado verde, vizinho ao do agora vovô, hospedagem de um importante delegado de polícia.
Vovô Sobrado abrigou muitas pessoas durante todos aqueles anos. Na juventude, morou nele a família de um comerciante que utilizava a parte debaixo do sobrado como armazém. Mais tarde, quando ainda era conhecido como Seu Sobrado, ele foi, durante muitos anos, um restaurante bastante frequentado nas redondezas. Foi nessa época que ele descobriu que as casas não ficavam “de pé” para sempre quando uma bela casinha amarela, levantada à sua frente, do outro lado da rua e já envelhecida pelo tempo, foi demolida. Seu Sobrado ficou triste com o desaparecimento de sua vizinha de frente. Era sua amiga e eles costumavam conversar bastante, lembrando dos velhos tempos quando ainda eram jovens.
O terreno onde vivia a bela casinha amarela ficou algum tempo vazio até o dia em que diversos operários lá apareceram. Eles cercaram o terreno com tapumes de madeira e começaram uma obra, num vai-e-vem de trabalhadores que mais parecia um exército de formigas em torno do formigueiro. Demorou um pouco, mas quando a obra terminou, moderno e gigantesco prédio surgiu atrás daqueles tapumes. Era bonito, imponente e... arrogante! Logo o grande prédio se achou o rei do pedaço. Afinal, ele era belo, jovem, cheio de vida. Seus vizinhos já estavam decadentes, como ele costumava dizer. Era época de progresso, de surgirem novos é modernos prédios como ele, “arranhando os céus” com a sua altura. Seu Sobrado ficou triste com a atitude do novo habitante da rua.
Pouco a pouco, as velhas casas da rua foram perdendo espaço, sendo demolidas para surgirem prédios no estilo do arrogante arranha-céu. Seu Sobrado ainda se mantinha na rua graças à freguesia do restaurante que dentro dele funcionava.  Terminou sendo a única construção antiga na rua. Apesar de já estar cercado por prédios jovens e esnobes, da parte dessas novas construções ainda tinha algum respeito. Foi neste período que ele passou a ser chamado de Vovô Sobrado. Os prédios novos pediam conselhos, ouviam velhas histórias sobre aquela rua. Vovô Sobrando tinha boa memória.
Acontece que, um belo dia, inauguraram um amplo restaurante no andar térreo de um daqueles modernos edifícios. A freguesia do restaurante do Vovô Sobrado foi, pouco a pouco, preferindo almoçar no novo local. Sem alternativas, o proprietário do restaurante teve que fechar as portas e Vovô Sobrado ficou sem serventia na rua, passando a ser uma casa vazia.
Colocaram uma placa escrita “aluga-se” na fachada de Vovô Sobrado, mas ninguém apareceu disposto a alugá-lo. Ele foi ficando triste e abandonado. Rachaduras começaram a aparecer em suas paredes, a pintura descascou, os vidros das janelas quebraram. Com o passar do tempo, Vovô Sobrado em nada lembrava o belo e bem cuidado prédio do passado. Alguns dos arranha-céus passaram a vê-lo com desprezo. Era um velho sem utilidade em volta deles, jovens e cheios de vida.
Até que um dia, chegaram alguns operários e cobriram o Vovô Sobrado com tapumes de madeira. “É o meu fim”, ele pensou. “Vão me demolir para construírem um moderno edifício”, lamentou.
Durante meses, ninguém viu o que acontecia com o Vovô Sobrado por detrás dos tapumes. Os jovens prédios já davam o velho sobrado como demolido. E então, aconteceu uma fantástica surpresa! Primeiro, um caminhão estacionou em frente ao vovô e vários carregadores desembarcaram inúmeras caixas e móveis, transportando-os para dentro da construção ainda escondida pelos tapumes de madeira. Passado alguns dias, os tapumes foram retirados e... Vovô Sobrado estava reformado! Belo, com pintura reluzente, e no alto uma placa onde estava escrita a palavra “Biblioteca”.
A inauguração da biblioteca marcou a história daquela rua. Até o governador compareceu! Vovô Sobrado transformou-se em fonte de saber daquela comunidade. Diariamente, centenas e adultos e, principalmente, crianças entravam sobrado adentro em busca de livros e conhecimento. Os modernos edifícios compreenderam que a quase centenária construção merecia todo o respeito pela história e importância que ela tinha, mesmo no mundo dos jovens. E assim, Vovô Sobrado pode mostrar, mesmo sendo um idoso, o quanto podia ser útil, através da sabedoria em forma de livros que o seu interior abrigava.
Classificado no Prêmio Sesc-Monteiro Lobato 2010

24 de maio de 2011

Quer Dançar?


Maiores informações sobre a professora e coreógrafa Flávia Valente, clique na foto.

Além do Arco-iris - Tatiana Alves

De Tatiana Alves
Editora Brasiliense

"Um livro, um menino, vários segredos. Até que ponto a fantasia ajuda a desvendar a nossa realidade e transforma as nossas vidas?
Gabriel, de férias na casa da avó, depara-se com um livro grande e antigo, quepertencia ao avô, mas é proibido de tocar nele. A avó propõe um desafio: se ele descobrir um determinado segredo, ele poderá ler o livro misterioso. Movido pelacuriosidade, o menino lança-se à aventura de tentar desvendar o enigma contido no livrosem imaginar as grandes surpresas que encontrará pelo caminho. Será que ele conseguirá a resposta que tanto deseja? Embarque com Gabriel nessa fantástica e maravilhosa aventura em busca do sentido da vida e descubra, você também, os segredos nunca antes revelados."

Sucesso, amiga!

15 de maio de 2011

Nasceu!


O Cheiro da Carne Queimada (contos)


Resumo

 Personagens intensas e desesperadas em suas atitudes convivem com o drama e a tragicomédia urbana de um Rio de Janeiro caótico. Solidão, traições, mesquinhez humana e o absurdo da existência permeiam as narrativas ora densas, ora líricas.


14 de abril de 2011

Quando um coração sangra óleo diesel (experimentos surreais)

Trafegava tranquilo sobre duas gametas rosadas. Quanto infortúnio estar ali. “Pimenta nos olhos dos outros era gasolina”, pensou. “E por que não óleo diesel?”, questionou a mosca no retrovisor do assento direito da gameta esquerda.
“Sei lá! only Deus saberia tal resposta” disse Ranitraques que até o momento não se chamava Ranitraques, só recebendo tal nome  no Dédalo-conto e virtude do autor haver esquecido de batiza-lo no inicio da narrativa.
“Ranitraques é um nome idiota”, sentenciou a mosca.
O autor indignou-se ante a afirmativa “E o seu? Como te chamas?
“Você ainda não me deu um nome?”
“Que tal Musca domestica?”
“Que falta de imaginação...”
Ranitraques perdeu seu senso de direção, entretido com o colóquio entre o autor e a musca. Quando se viu perdido entre as vaidades alheias, deu de ombros: não estava indo mesmo para lugar algum. Mas, o que era aquilo ali em frente?
Dois personagens do Carlos Cruz à procura do seu criador.


6 de abril de 2011

Chico Mentirinha

Já passavam das quatro da tarde e eu ainda não havia forrado o estômago. Coisas de caminhoneiro que, levando a vida rasgando estradas do Brasil por dias a fio transportando na cabeça a preocupação em ser fiel a horários e deixar a carga sã e salva no seu devido destino, se esquece até do básico para a sua sobrevivência: alimentar-se.
A fome soou feito buzina de carreta, revirando as tripas. Ao sinal do estômago, decidi estacionar o caminhão no primeiro posto de gasolina que avistei. Era uma parada já conhecida, ponto de encontro de caminhoneiros oriundos dos quatro cantos do País. Queria matar a fome e bater um papo mas, pelo adiantado da hora me deu a certeza de que ali eu não teria nenhum colega de estrada para me fazer companhia durante o rancho. Detesto comer sozinho porém, os anos passados dentro das boleias se não me fizeram acostumar com as refeições solitárias ao menos me deram resignação e paciência para lidar com estes problemas miúdos.
Estava eu devorando com satisfação o prato feito que a cantina do posto tão bem servia quando Chico Mentirinha apareceu. Aparição, ao estilo dos fantasmas, foi a melhor expressão que me veio à cachola naquele momento para definir o surgimento do Chico. Nem notei o ronco do motor de sua carreta estacionando. Quando dei por mim, ele já estava se sentando ao meu lado, sem cerimônia, carregando aquela cara de mentiroso tão folclórica entre nós, irmãos caminhoneiros. Trajava chapéu de vaqueiro, camisa listrada, jeans justos seguros por um cinto cuja fivela gigantesca chamava atenção pelo brilho cintilante. Os pés estavam cobertos por um par de botas marrons um tanto empoeiradas. Lembrava um personagem de filme de faroeste. O próprio Chico costumava afirmar ter sido cowboy nos States e tomado parte em rodeios montando cavalos chucros. Ninguém dava crédito à história.
Chico pediu um PF. Enquanto mastigava, começou a deitar prosa. Fazia jus ao apelido que os companheiros de profissão nele haviam posto, afinal, seus casos narrados, recheados das mais absurdas cascatas, faziam sua fama. Chico era motivo de chacota por onde botasse os pés e, como eu estava solitário e afim de um bom passatempo, festejei o encontro. Seria um pouco de diversão trocar uns dedos de conversa com aquele mentiroso pouco antes de dar prosseguimento a minha viagem.
Naquele final de tarde, Chico Mentirinha estava possesso. Contou-me uma história disparatada.
— Léo, tu me imagina o que aconteceu com o seu amigo aqui! Que Deus mande um raio me partir ao meio se eu estiver mentindo.
Chico acabara de soltar dos lábios sua frase predileta: “Que Deus mande um raio me partir ao meio se eu estiver mentindo”. Preparei-me para o tamanho da lorota acendendo um cigarro.
— Lembra daquela greve de fiscais de pesagem semana passada no Rio Grande? Pois é, eu estava lá com um carregamento de sementes de girassol. Chovia Léo, parecia que Deus havia mandado um segundo dilúvio. Fiquei mais de uma semana parado naquela fila maior que a muralha lá das chinas, esperando pesarem o caminhão para liberarem a carga. Quando finalmente me autorizaram a seguir caminho, eu já tava mais atrasado que noivinha no dia do casamento. Então eu nem pensei duas vezes: sentei bota no acelerador sem dar atenção para a carga que transportava. Foram quase dois dias guiando direto, quase sem dormir. Até que uma hora, veio um desassossego com o estado da carga. Fazia mais de uma semana que eu não dava uma espiada nas condições do frete que estava carregando. Parei o caminhão no acostamento e levantei a lona para conferir. Qual foi a minha surpresa? No meio das sacas haviam brotado uma dúzia de girassóis enormes, iguais aqueles do quadro daquele cara que arrancou a orelha, Van sei lá o que! E como cheiravam os danados! Lindos, com os caules taludos, parecendo um braço de tão grossos! Passei tanto tempo parado na fila da pesagem que deu tempo das sementes germinarem!
A incredulidade em forma de ironia deve ter fincado estaca em meu rosto, pois Chico Mentirinha encarou-me com aqueles olhos de "tá duvidando?".
— Tá pensando que é mentira, não?
— Que é isso, Chico!
— Pensa que eu não sei? Todo mundo por estas estradas vive dizendo que eu sou cascateiro.
— Não penso assim – menti.
— Pois eu vou te provar
Pediu nossa conta na cantina e fez questão de pagar. Seu semblante estava acabrunhado. Segui o "cowboy" até o seu caminhão me espremendo em desculpas, dizendo que nossa amizade não poderia acabar por causa de bobagens que os outros espalhavam.
Mas Chico não me dava ouvidos. Decidido, subiu na carroceria do caminhão começando a desatar alguns nós que prendiam a lona. Descobriu então a carga e exigiu que eu também subisse e olhasse.
Confesso haver sido assaltado pelo medo do que poderia encontrar dentro da carroceria, mas tomei coragem e olhei. Não contei o número de girassóis nascidos entre aquelas sacas de semente que cobriam todo o compartimento traseiro do caminhão, mas eles lá estavam, estupendos espécimes atestando a história do Chico. Ele sorriu vitorioso.
Segui meu destino desbravando quilômetros de asfalto com a história dos girassóis em mente. Deixei meu frete no Porto de Santos e rumei para casa com a imagem do Chico me atormentando. Pensava em como a gente costuma generalizar conceitos. O cabra mente uma vez e pronto. Não se passa recibo em mais nada do que ele diz.
Finalmente o lar. Abracei a esposa, beijei minhas crianças, estava de volta. Como é bom retornar para a família. Só que é caminhoneiro compreende o quanto aqueles que amamos fazem falta na solidão das estradas.
Durante o jantar, contei tintim por tintim o caso dos girassóis para a minha esposa. Ela olhou desconfiada e, para a minha surpresa, decretou:
— Deixe de ser bobo, homem. O Chico é tão mentiroso que é bem capaz dele de véspera ter comprado uns girassóis e enfiado entre as sacas só para dar fiança a mentira que ia ele contar para o primeiro que cruzasse com ele. E o trouxa foi você. Acorda, Léo!
Sorri diante da boia fumegante servida pela esposa concluindo que nunca saberei a verdade sobre o episódio. Que Chico Mentirinha continue por este mundão animando a vida de nós caminhoneiros com suas invencionices.

Selecionado no Concurso Contos de Caminhoneiros/2008

29 de março de 2011

O Cheiro da Carne Queimada

Em primeira mão, a capa do meu livro de estreia. O Cheiro da Carne Queimada (contos). Editora Caki Books.
Sairá impresso (sob demanda) e em e-book. Arte de Kim Hodge, edição de Camila Cabete.
Agora, falta plantar o filho e ter uma árvore.

17 de março de 2011

Pelo Japão

Reproduzo abaixo o pedido de um amigo, Edweine Loureiro, brasileiro morando no Japão. É a literatura  prestando solidariedade em um momento tão doloroso.


"Amigos, moro no Japao e posso dizer que vi a morte de perto nos ultimos dias. Para ajudar as vitimas, decidi tirar os manuscritos da gaveta. As cronicas que escrevi para o Desafio dos escritores publiquei-as atraves de um grupo chamado CLUBE DOS AUTORES. Nao sei quantos exemplares venderei, ou se mesmo venderei algum, mas todo dinheiro arrecadado pretendo ajudar as vitimas do terremoto, principalmente em Miyagi (Sendai) e Iwate. Desde ja, agradeco a divulgacao:

http://www.clubedeautores.com.br/book/40992--Clandestinos
E que Deus abencoe o Japao!

Desde ja, humildemente, agradeco a todos que me ajudaram e virao a judar-me nessa empreitada.

Cordialmente,

Edweine Loureiro"

12 de março de 2011

Medos, Mitos e Ingenuidades Infantis

Cientistas descobriram recentemente que os dentes de leite são um manancial de células-tronco e já estão recomendando os pais para guardarem os dentinhos dos filhos da mesma forma que hoje se armazenam os cordões umbilicais para uma eventual necessidade futura de seus rebentos. Caso eu tivesse uma bola de cristal e ficasse sabendo com antecedência desta descoberta, não teria, durante minha adorável criancice, vendido meus dentes-de-leite para a Fadinha do Dente.
Vendi sim, pela bagatela de 50 centavos de cruzeiros cada dente. Quando eles não se sustentavam mais dentro da minha boca, lá ia eu alegremente deixá-los na janela da casa para que a Fada do Dente desse o destino que ela achasse conveniente. Não podia duvidar de sua existência, pois cada dente depositado à noite era metamorfoseado em uma moeda no dia seguinte. Eu não estabelecia preços, a Fada que julgasse o quanto meus molares, pré-molares e aprendizes de caninos valessem. Deixei de crer na Fada no dia em que um dente jazeu por dias no parapeito da janela. Foram tempos difíceis, em que cada moeda deveria ser empregada no orçamento doméstico em detrimento dos sonhos de infância.
Além da Fada do Dente, eu cria piamente nos Corpos Secos, entidades que viviam na laje do prédio onde eu morava. Sofria torturas psicológicas, era ameaçado de ser enviado para um exílio no forro do edifício caso não comesse, pois lá era o lugar de corpos secos. Amedrontado, devorava minha refeições com medo do meu futuro em cima da laje.
Creio que na categoria monstros, só mesmo o advento do Camisurê, criatura sem forma definida que só a menção do seu nome aterrorizava o meu sobrinho de cinco anos. Dizem que os Camisurês moram debaixo das camas das crianças e as assustam quando elas à noite se aventuram pelo breu da casa. Criação de uma tia minha para manter seu neto sossegado durante as madrugadas, o Camisurê talvez seja a única assombração infantil de caráter exclusivo, só o meu sobrinho acreditava nele. É possível que, com o seu crescimento, a raça dos Camisurês tenha sido extinta da face da Terra.
Eventualmente, os medos infantis escoram-se em possibilidades reais, ainda que improváveis. Passada a fase de fadas e monstros, fui tomado pelo pânico de ser atingido pelo Skylab, primeiro laboratório espacial que, devido a uma pane, caiu na Terra. Como era a primeira experiência humana neste tipo de acidente, ninguém sabia ao certo onde o laboratório cairia e se o Skylab se desintegraria em contato com a atmosfera terrestre e, mesmo que tal fato acontecesse, pedaços da geringonça espacial poderiam atingir algum terráqueo azarado. Por semanas não consegui dormir direito esperando o fim do Skylab e só me acalmei quando soube que ele havia caído em um deserto despovoado na longínqua Austrália – não tão distante assim, afinal, o mundo é redondo. Deu um friozinho na barriga ao ver que o maior pedaço recolhido do Skylab era uma enorme porta, capaz de provocar um belo estrago na cabeça de alguém.
Hoje, infelizmente, Bichos Papões não assustam mais as crianças. O perigo é real e imediato, na forma de balas perdidas ou Caveirões, apelido dado pela população carioca aos veículos blindados utilizados pela polícia do Rio de Janeiro quando em missão dentro das favelas. Saudades da ingênua infância. Medo da realidade adulta.

Menção Honrosa no Prêmio Cidade de Porto Seguro de Crônicas - 2008

3 de março de 2011

Diva

Entrou um tanto cabisbaixo na loja de lingerie do shopping congestionado pelo temor em ser reconhecido. Tremia ante a possibilidade de deparar-se com alguma amiga da sua esposa em tão inusitado local para uma figura masculina. Perguntas maliciosas certamente seriam a tônica do hipotético encontro. Logo ele, um preservador de sua imagem de homem integro, temente a Deus até as entranhas, bom pai de família, marido exemplar. Fez menção em dar meia volta e abortar o plano traçado há meses quando uma vendedora aproximou-se exibindo um sorriso artificial, perguntando-lhe o que desejava. Suores transbordavam de sua face, traçando afluentes pelo pescoço, empapando o colarinho. Pediu uma calcinha vermelha. “Qual o tamanho?”, inquiriu a vendedora. “A menor que você tiver”, respondeu timidamente. Comprou ainda um sutiã, cinta-liga e meias, todas escarlates como a calcinha, sendo esta minúscula, menor do que já se poderia ser chamado de um modelo indecente.
Continuou sua insólita romaria por uma loja de sapatos. Comprou um salto alto, agulha. Atravessou em seguida o corredor do shopping preparando-se para sua mais audaciosa tarefa: a compra da peruca. Diante da vendedora, uma senhora com ares aristocráticos, a encará-lo de modo interrogativo, pediu uma peruca loira, comprida, fios até a cintura.
Pelos corredores do shopping descobriu um quiosque onde eram vendidas tatuagens temporárias, em forma de decalques. Adquiriu a figura de uma maçã, pecadoramente mordida. Quando já deixava a catedral de consumo, bateu com a palma da mão direita no alto da careca. Estava esquecendo um dos itens mais importantes: um aparelho de barbear.
Chegando a casa, encontrou a esposa ansiosa pela sua demora. Sem delongas ela se apoderou das bolsas de compras e foi para o quarto montar-se. O conjunto de cinta-liga, sutiã, meias e calcinhas, caíram-lhe bem no corpo balzaquiano. Os sapatos ficaram apertados. O esposo nunca acertava o número que ela calçava. Já a peruca construiu na mulher uma aparência germânica, a despeito da cor amorenada de sua pele. Quanto à buceta, o próprio marido fez questão de depilar. Ela arriou as calcinhas até os tornozelos. Sentimentos conflitantes de medo e excitação a assaltaram enquanto permanecia de pé, pernas abertas, sentindo o aparelho de lâmina afiada, impecavelmente manejada pelo marido, raspando-lhe o púbis. Como toque final, a tatuagem em forma de maçã mordida foi estrategicamente decalcada no lado esquerdo de sua bunda.
O homem não cansava de encarar, encantado, a nova mulher que concebera. Batizou a personagem interpretada pela esposa de Diva. Após doze anos de um casamento levado a banho-maria, Diva seria a sua primeira amante.

Vencedor do Prêmio Letra Exótica na categoria conto erótico - 2010

25 de fevereiro de 2011

Norman

Faca amolada
finge picar carnes brancas
O sangue achocolatado viaja pelos ralos,
e nada é o que parecer ser
Filho da  mãe,
filho era mãe
Dublê de corpo
colorido da  vida em P&B
psicoticamente narrando
24 vezes por segundo
Embalsamado
em nossa memória
Bate,
Bates,
bytes

19 de fevereiro de 2011

Uma Fulminante Paixão em 64 Casas

Tudo se modificara após a arrebatadora chegada daquela forasteira. Sua Majestade, o Rei, não dava a mínima atenção para a Rainha. Esta, magoada, deixou de protegê-lo, aventurando-se por locais desconhecidos. Possuindo plena consciência de sua força, sabia ela defender-se como ninguém. Os bispos confabulavam entre si, assustados com tamanho descaramento de Sua Alteza Real. Do alto das duas torres, o descalabro era observado. A cavalaria, pasmem, revoltou-se e buscou refúgio no reino situado logo à frente. Sentiram-se desconfortáveis, dada a estranha e negra diferença. Somente a criadagem, o lado mais fraco deste episódio, manteve-se fiel. Insignificantes servos, dariam a vida pelo seu soberano, não hesitando em sacrificar-se na linha de frente de qualquer combate. Entretanto, não compreendiam o porquê da fulminante paixão do Rei por aquela peça de jogo de damas que acidentalmente caíra no tabuleiro de xadrez, alterando a normalidade previamente traçada de suas vidas.

11 de fevereiro de 2011

Chapeuzinho Adolescente - Curta de Animação


A técnica é a de stop-motion, onde os personagens confeccionados em massa de modelar são fotografados quadro a quadro.
Em dezembro, o curta foi lançado em Curitiba durante a mostra mostra "O Cinema de Yanko Del Pino" realizada na Cinemateca de Curitiba.
Agora sim, eu posso dizer que sou roteirista.

  • Direção, produção e edição: Rafael Araujo 
  • Roteiro: Zulmar Lopes 
  • Supervisão e edição de som: Renan Deodato 
  • Desenho de som: Thiago Jachelli
  • Elenco: Nani Tonks Aluízio Rezende Fábia Regina Fábio Reis Mariana Oliveira Ellen Polli Biora.






4 de fevereiro de 2011

Pupilas Dilatadas

Sentado na cadeira de exames do oftalmologista, Fred sofria com as pupilas dilatadas para o mapeamento de retina, visão turvada pelos colírios. Dr. Hermes examinava seus olhos, ordenando que ele olhasse hora para esquerda, para direita. Piorando sobremaneira a situação, um facho de luz emitido pela lanterninha que o médico usava tornava a visão do paciente ainda mais confusa
— Minha vista está totalmente embaçada, doutor – disse Fred após o exame.
— É assim mesmo, demora algumas horas para voltar ao normal. Alguns pacientes têm apenas um leve desfocar, outros ficam com a visão parcialmente comprometida, como é o seu caso. Você mora aqui perto, não? Vou pedir para Lígia levá-lo até a portaria do seu edifício.
— Quem é Ligia?
— Minha recepcionista. Ela estava resolvendo uns assuntos particulares quando você chegou, mas eu ouvi a chave da porta enquanto estava lhe examinando. Fique tranqüilo. Apesar de já haver anoitecido, garanto que você chegará são e salvo – disse Dr. Hermes de modo jocoso.
Saíram os dois da sala do consultório. Fred, tateando as paredes, percebeu haver uma terceira pessoa na sala de esperas.
— Lígia, acompanhe por favor o Sr. Frederico até sua casa. Fica no seu caminho.
— Sim, Dr. Hermes.
Apenas uma econômica frase, levada aos seus ouvidos por uma voz rouca, sensual. Fred lamentou sua visão comprometida. Tão somente conseguia distinguir um vulto, possivelmente de cabelos negros. Ela cumprimentou-lhe com outro lacônico “boa noite”, deu-lhe o braço, despediram ambos do Dr. Hermes que, antes que a dupla saísse, beijou a face de Lígia, dizendo: “Obrigado por tudo e boa sorte”.
Já na rua, Lígia entrelaçou-lhe o braço e Fred se deixou levar pela desconhecida mulher. O contato com a pele morna do braço da moça e o fresco odor do seu perfume foi atiçando a imaginação de Fred que, enquanto falava sobre o clima e outras inutilidades, tentava construir em sua mente a face e biotipo da mulher que sua vista nublada impossibilitava de distinguir.
Estancaram em frente ao edifício onde ele morava. Fred agradeceu a gentileza de Lígia em levá-lo até sua casa e, educadamente, a convidou para um café. Para sua surpresa, ela aceitou.
Tomaram o elevador em cúmplice silêncio. Ouvidos aguçados em virtude da momentânea falta de visão, Fred escutava a respiração levemente ofegante de Lígia. Teve certeza do que iria acontecer. Uma leve ereção brotou entre suas pernas.
Mal entraram no apartamento, ela o envolveu em um abraço, colou seu corpo ao dele e beijou-lhe com a boca inundada de prazer. O gosto de morango do batom da mulher o excitou ainda mais e suas línguas bailaram intrusas dentro de ambas as bocas. As mãos de Fred percorreram por cima do vestido o corpo bem  torneado de Lígia, indo estacionar em uma bunda reveladoramente volumosa.
Lígia o sentou no sofá e abaixou-lhe as calças, trazendo junto a cueca, liberando sua pica latejante, a implorar por um boquete. Fred percebeu o vulto ajoelhar entre suas pernas, e sentiu a boca sedosa de mulher abocanhar-lhe o membro. Teve que se controlar para não gozar instantaneamente dentro da boca quente, experiente e caprichosa de Lígia, que sugava com vontade o membro rígido do homem. Entre felações, ela brincava com a língua no membro do rapaz que, privado da visão, deixava-se dominar pela devassidão de Lígia.
Ela o segurou pelo pênis, guiando-o nu para dentro do quarto. Deitado na cama, Fred, por detrás da névoa que embotava sua visão, notou Ligia se despir. Ela caminhou resoluta em direção a cama e ofereceu-lhe o seio esquerdo. Fred sugou com sofreguidão o bico intumescido, botão dilatado entre seus dentes. Em seguida, sua boca iniciou uma viagem por entre os seios, com a língua percorrendo caminhos tortuosos até a fenda quase depilada que Fred pode comprovar quando seus lábios roçaram os curtos pêlos endurecidos. Chupou com perícia o sexo a sua frente, entorpecido pelos odores que ela emanava. Lígia gemia baixinho, enquanto afagava a cabeça do homem alojada entre suas coxas.
 — Come – ela exigiu com sua vozinha rouca.
Fred penetrou faminto o orgão umedecido de Lígia e ambos iniciaram um balé de volúpia e prazer, estocando-se em harmonia, alternando momentos de vigor com de extremo carinho até que os movimentos intensificaram-se e Fred gozou violentamente dentro da amante, emitindo leve gemido de satisfação.
Passaram algumas horas intercalando carícias, sussurros e trepadas maravilhosas até que o sono assaltou Fred.
Acordou com os primeiros raios da manhã e percebeu que a visão fora restabelecida. Notou que Lígia fora embora. Nem um bilhete de despedida deixara. Havia dormido com a mulher da sua vida e sequer conhecia seu rosto.
Tomou um banho, fez um café, fumou alguns cigarros e procurou encurtar o tempo até a hora em que consultório já estivesse aberto. Antes, passou em uma loja para comprar uma caixa de bombons. Demonstraria romantismo quando “conhecesse” Lígia.
Tocou a campainha e Dr. Hermes atendeu. Decepção estampada na face.
— Bom dia, Fred. Entre.  Eu pedi para você retornar?
— Não, Dr. Hermes. Na verdade, vim falar com a Lígia. Agradecer pelo favor de ontem à noite.
— Receio que não será possível. A Lígia não trabalha mais aqui.
— Como assim?
— Ontem foi o seu último dia. Ela viajou agora de manhã para o Alasca. Junto com o Marido.
Fred quase não continha a surpresa.
— Então ela é casada...
— De fato. E o sujeito vai trabalhar num campo de extração de petróleo. A pobrezinha vai ver gelo por muitos e muitos anos. O Alasca  definitivamente não combina com o jeito tropical daquela morena.
— Ela era bonita?
— Você não a viu? Porra, esqueci, suas pupilas estavam dilatadas.
— O senhor tem uma foto dela?
— Infelizmente não, meu caro. Mas te asseguro que ela era bonita. Peitões e bunda de respeito, mas acho que era fiel até as entranhas. Se não amasse o marido, iria se meter lá nos cafundós do Alasca?
— Nunca se sabe, Dr. Hermes - suspirou pesaroso Fred, já saudoso da sua amante desconhecida.

26 de janeiro de 2011

Lavando Louça com Barbara Leite

Minha amiga Barbara Leita produz e dirige um programa de entrevistas onde convidados nos mostram que uma boa lavação de louça não precisa ser entediante.
Apresentação de Maria Tereza Gomes
Realização: Zazu Produções Culturais zazu@zazucultural.com.br