11 de outubro de 2011

A Salvação da Lavoura


Uma danação lhe consumia desde que soubera do tal satélite. A coisa que os homens tinham botado lá no céu ia despencar, ouvira no rádio da bodega do Simão no sábado em que aproveitara pra tomar uma carraspana e esquecer a maldita vida que levava. De principio, não compreendeu bem o que sucedia. Necessário que Dalemberte, letrado em cidade grande e professor naquele fim de mundo, explicasse o que se passava. “Pode cair em qualquer, lugar, até em sua roça, Zé”. – sentenciou o estudado.
Voltou para casa bêbado e reflexivo. Enquanto vencia a distância e o breu da noite até o sitio de onde tirava o sustento na lavoura subsistência, ficou a matutar aboletado na carroça sobre a possibilidade do tal engenho destruir seus pés de feijão e mandioca, ferir um dos meninos ou Vicentina, com quem dividia a rede. Que mundo injusto, meu Deus. Tanta gente má para que o satélite varresse da Terra e gente honesta e temente a Deus, feito ele, correndo risco. Podia bem cair lá naquela Brasília da qual haviam lhe falado que a roubalheira imperava, ou mesmo na cabeça do atual prefeito, um poltrão. Deus podia guiar ainda o negócio para despencar lá na terra dos gringos que haviam inventado a moda. “Você acha que o negócio vai bater justamente nos Estados Unidos, Zé? Larga de ser trouxa, homem! Eles vão dar um jeito de desviar”. – havia dito o professor. Zé não sabia onde ficava os Estados Unidos e tão pouco desconfia que o planeta fosse composto de dois terços de água e que as chances de alguém se ferir com o satélite eram diminutas. O desconhecimento era justamente o que o assustava.
Naquela madrugada, a despeito da bebedeira, não pregou olho. Passou os dias consultando os céus para que, ao menor sinal do maldito, tentasse ao menos salvar a família. Passaram semanas. O sábado era gasto na cachaça e colóquios com Dalemberte que, ou invés de tranquilizá-lo, parecia divertir-se com as expressões terrificadas que a face do matuto esculpia. “Pode ser radioativo, Zé”.
Zé não sabia o que era radioatividade, mas conhecia o medo, temia o desconhecido.
Homem fechado, não revelava a Vicentina o motivo de suas preocupações. Desconfiava a mulher que, sempre de olho no céu, o marido ansiava uma boa temporada de chuva para garantir sua plantação. A roça já andava mesmo de mal a pior. O sol castigava. Resolveu fazer uma novena forte para que São Pedro mandasse dos céus a salvação da lavoura.
Certa noite despertaram com um clarão iluminando a roça e um estrondo varando os ouvidos. Zé, acompanhado da mulher e dos meninos, correu para o local. Um pedaço de metal retorcido, do tamanho de uma saca de feijão, jazia no solo rachado pela seca. Tranquilizou a mulher que acreditava ser um santo que houvesse caído de uma nuvem numa boa de fogo e esperou que o objeto esfriasse por si só. Não podia gastar a parca água barrenta que ainda lhe restava no poço artesiano.
Viviam afastados e, assim, ninguém percebeu o acontecido. Quando o caco do satélite finalmente esfriou, Zé e os meninos o colocaram na carroça e cobriram com uma lona. O mais velho foi com ele. Pegaram uma estrada e gastaram quase dois dias para chegar ao que mais aparentasse ser uma cidade. Durante o percurso alimentavam-se de farinha e bebiam o necessário. Era dia de feira. Ele expôs sua mercadoria. Disse ser o tal satélite. Muitos duvidaram. Dos que creram, um dono de ferro-velho que pagou quinhentos contos pelo artefato. Zé e sua família viveram um mês do que se convencionou ser fartura naquele miserável lugar. Restava as rezas para que, antes que a lavoura se perdesse, São Pedro mandasse algo dos céus. Até mesmo chuva teria serventia.