22 de janeiro de 2015

Carta a Marcus Gunn

Caro Marcus Gunn
Acuso, com tristeza, o recebimento da síndrome que me enviaste. Choro a cada refeição a lágrima solitária, mecânica e sem vontade. É inevitável, Marcus, afinal, mastigar é preciso, chorar, vez por outra, contudo que no choro morem sentimentos. Certa vez um garçom inquiriu-me a respeito da lágrima periférica escorrendo pela face destra. Espante-se, Marcus. Pensava ele que a comida não me apetecia. “Está ótima”, disse, fungando.
Conheces a obra de Nelson Rodrigues? Viste o filme onde uma colegial mata sete gatinhos? Certamente que não, pois és estrangeiro, sabe-se lá de onde. Santo Google nada informa sobre suas origens. Pois bem. Não há de conhecer o Bruxo Nelson, porém lhe informo, contrariado: não sou o demônio que chora por um olho só!
Cordialmente
Aquele que não perdeu a batalha.

16 de janeiro de 2015

A Polaquinha

Mestre da narrativa curta, quase haicais em forma de prosa, Dalton Trevisan sempre foi cobrado pelos seus leitores a aventurar-se em uma história mais longa. Dezoito livros de contos depois nascia, em 1985, A Polaquinha, novela de que narra as estripulias de uma jovem curitibana no universo do sexo.
Polaquinha, cujo verdadeiro nome nunca nos é revelado ao longo da narrativa, leva uma vida medíocre, com namorados e amantes não menos ordinários do que ela. O primeiro, um moleque asmático, o segundo um jovem imberbe com problemas de coluna trocado por um advogado mau caráter e manco que por sua vez dá lugar a um motorista de ônibus de maus bofes e desempenho na cama proporcional à sua canalhice. Todos eles, de uma forma ou de outra, usam e abusam de Polaquinha que, mergulhada em um oceano de prazeres, deixa-se levar passivamente.
A prosa é enxuta, levemente pornográfica, contudo divertida. Rimos. Às vezes um riso de compaixão por uma moça que se deixa ingenuamente enganar por tipos de homens tão baixos, mas presentes no imaginário brasileiro. Em outras ocasiões o riso é amarelo, de identificação. Quantas Polaquinhas já não foram vítimas da nossa lábia, canalhas de plantão?

Os capítulos finais do livro simbolizam de certa forma a tragicômica mesmice em que Polaquinha se meteu (trocadilho forçado), numa constante troca de parceiros em um dia comum de uma moça que decide “dar-se” para ganhar uns trocados a mais dentro de um bordel fuleiro. O texto quase que se repete, inclusive nos diálogos, a despeito da rotatividade de clientes. Polaquinha nos desperta compaixão, pero sin perder la sensualidad.

9 de janeiro de 2015

Entreouvidos por aí ou quando suas intimidades se tornam públicas ao você berrar no celular.



FARMÁCIA/INTERIOR/DIA
- Não, fiquei brigada com o Maurinho quarta, quinta e voltei a falar com ele agora de manhã. Por quê? Sabe naquela altura da relação quando o seu namorado começa a postar vídeos de bundudas-peitudas malhando na academia?

2 de janeiro de 2015

Cenas de um mundo muderno.

- Que ideia é essa, menino? Namorar justo a minha filha?
- Foi mal, tio.
- É a sua prima, animal!
- Pelo menos fica tudo em família.
- É se vocês casarem e tiverem filhos? Eles podem nascer aleijados!
- Esquenta não, tio. Não é namoro para casar...