22 de novembro de 2013

Brincando de Boneca

Mamãe diz que brincar de boneca é coisa de menina. Nem ligo pro que ela diz. Sou homem e posso provar. Haja vista as mulheres que amei. Além disso, o que há demais em brincar um pouquinho? Tem adulto que joga videogame. Meu hobby é esse, passatempo da hora de almoço. Esta perna cabe aqui no corpinho, vai ficar diferente da outra, mas pior se ficasse perneta. A cabeça, felizmente, não se perdeu. É original, mas deu um trabalho colocar de volta no lugar. Os braços eu vou utilizar dessa outra aqui. Braços negros e corpo caucasiano? Paciência, é o que se pode arranjar no momento. Vou ter que prender com algum parafuso. O Geraldo da manutenção deve ter um do tamanho necessário. Melhor não. Geraldo não entenderia. O vestido eu pego com a dona Marta lá na lavanderia. A droga é que branco fica parecendo noiva. Depois eu dou um banho nela, pra espantar este cheiro podre de membros amputados aqui do lixo hospitalar. Será que vão dar por falta de você lá na sala de autópsia, meu amor? Que marido horrível que você tinha, precisava te esquartejar e jogar as partes na Lagoa Rodrigo de Freitas?

22 de outubro de 2013

Jennifer

Não sei manejar bem as palavras, seu moço. Sou de origem humilde, minhoca da terra, lá de Campos, o moço conhece? Zona rural, uma desgraceira só. Foi a mãe do seu Benito que me trouxe pra cá. Prometeu estudo, salário, quase vida de princesa. Eu só tinha em troca que cuidar dos netos dela. Babá. Tudo mentira da grossa. Trabalhei que nem moura. Seu Benito me disse uma vez que a mãe pagou quinhentos contos pros meus pais na intenção de me levar. Uma coisa, comprada feito uma galinha de fundo de quintal. Ninharia, né? Idade? Eu tinha quinze, foi há algum tempinho sim. Cheguei aqui, cidade grande, aqueles prédios arranhando os céus, depois eu soube que o povo daqui chamava assim mesmo: arranha-céu. Bonito, não? Fiquei encantada e achei tudo uma festa. Tava pensando em progredir, terminar a escola, fazer curso de computação, qual! Mal botei meus pés nessa terra e já começou a exploração. Dona Paula, mulher do seu Benito, não queria nada com a lida. Vivia de academia, a malandra. Ficou com um corpo lindo, a danada. Esculpida. Parecia uma estátua dessas de mármore que a gente vê nos museus. Não, eu nunca entrei em um. Já vi em filmes na TV e nos filmes os museus são cheios de estátuas com o corpo da dona Paula. Eu cuidava das crianças. Duas pestes, sem um pingo de educação. A mãe não deu, não tinha tempo, tinha que “malhar”. Lá em Campos a gente só malha Judas em Sábado de Aleluia. Tá rindo? Você é engraçado, seu moço. Mas, como eu tava te falando, se fosse só tomar conta das pestes eu até que aguentava, mas dona Paula me colocava pra arrumar casa, cozinhar, levar o cachorro pra passear, dar banho, fazer mercado. E ela na malhação. Salário? Cinquenta pratas por mês, um cala boca. Folga? Vez por outra, quando dava na telha deles.
Quando eu tava com um ano de casa e ia levando a vida do jeito que Deus queria, o seu Benito começou com umas ideias estranhas pra cima de mim. Começou quando ele perdeu o emprego e passou a ficar mais em casa. Sempre que dona Paula ia malhar e eu tava na cozinha ele achava uma desculpa para entrar lá e como a cozinha era apertada, engraçado né, os arranha-céus são tão grandes por fora e uns ovo por dentro, na roça a gente vivia em casa grandona, como a cozinha era apertada ele passava e se encostava em mim, com umas más intenções que o moço já sabe. Eu fugia do cabra feito diabo da cruz. Diabo tem medo de alho também, sabia? Vi num filme. É Vampiro? Mas eu escapava. Ele disse que eu tava fazendo doce, que mais dia, menos dia, alguém ia me arrancar os tampos mesmo e que fosse com um cara perfumado como ele.

Pois é, moço. Aturei quase dois anos esse negócio. Se dona Paula desconfiava eu não sei. Só sei que ela tinha outro, ouvi uma vez ela toda se derretendo no telefone, pedindo pra voz do outro lado chamar ela de cadela. Seu Benito devia saber, o corno manso. E acho que ele queria se vingar de dona Paula comigo. Ela era bonitona e eu esta porcaria que você tá vendo. Sou não, me acho feia, mas fico agradecida. O moço além de engraçado é gentil. Mas deixa eu te dizer como foi que aconteceu. No dia que eu fiz dezoito anos e virei dona do meu nariz, piquei a mula e fui embora. Só de vingança, levei o cachorro pra passear, deixei ele fugir e botei pé no mundo também. Seu Benito gostava mais do Frank, era o nome do cachorro, do que dos filhos dele. Então eu soltei o Frank e vim direto pra cá. Já tinha visto o anúncio no jornal e só não vim antes porque era de menor. Madame Paula, é, o mesmo nome da minha ex-patroa, me recebeu muito bem e me deu um banho de loja. Leiloou o meu cabaço por quinhentos contos. Não ria não, seu moço, recebi metade na empreitada. Tô no lucro. Seu Benito ia me comer de graça, não é verdade? Agora eu tô aqui. Ao menos eu me divirto e ganho um bom dinheirinho. Meu nome? Jennifer. Claro que é de guerra mas, agora que o moço provou dos meus chamegos e, pela cara parece que gostou, quem sabe volta pra repetir, vira cliente e eu digo o nome que tá na certidão de nascimento?

20 de setembro de 2013

O Sósia

Tratava-se de um cidadão comum. Tão comum que invariavelmente pessoas com quem nunca havia esbarrando o confundiam pelas ruas.
 “Você não é o primo do Valério, que trabalha na Prefeitura?”
“Calisto! Há quanto tempo!”
 Alguns aceitavam sua negativa, cobrindo-lhe de desculpas.
“A senhora deve estar fazendo confusão com outra pessoa.”
 “Não, meu nome não é Calisto.”
Outros, desconfiados, seguiam seus caminhos aborrecidos, creditando soberba a recusa da confirmação de uma suposta identidade. Essas confusões acerca da sua fisionomia causavam-lhe desconforto. Seria um tipo bastante ordinário para ter o rosto associado ao de tanta gente? Procurava respostas toda manhã mirando o espelho após o despertar. A imagem refletiva exibia uma face despida de qualquer atrativo e o conjunto era insípido. Durante anos procurou modificar a mesmice, ora adicionado, ora livrando-se da barba. Tentava ainda inúmeras combinações com o bigode, cavanhaque ou costeletas.  Modificava sobrancelhas e o corte de cabelo sem resultados. Nas ruas sempre havia alguém atribuindo seu rosto ao de outra pessoa.
Encarava com certo desânimo, leve tormento até, a insólita situação até o dia em que, confundido com certo ator da moda do qual nunca ouvira falar, foi rebocado para a cama de uma fã. Entre gozos e gemidos, admitiu ser quem não era.
Entusiasmado com a prazerosa experiência, decidiu então atirar pela janela os escrúpulos e iniciar particular desafio. Colecionaria cem sósias, cem faces iguais a sua. Uma cópia que nunca seria apresentada aos seus originais. Nem necessitava: proprietário daquele rosto bizarramente vulgar, o mesmo era a síntese de todos aqueles por quem se passaria. Também não forçaria possibilidades, afinal, partiria sempre do outro o reconhecimento. Seria sim um impostor, ainda que involuntário,
Em um caderninho, anotava quando o confundiam. Foi Genésio, Orlando, Alfredo, Marcelo, Carlos, Toninho, Fernando, Roberto, Zé, Lucas, Diego, Durval, Maurício, Bruno, Vargas, Cleber, Montenegro, Julião, Barroso, Alexandre, Humberto, Matheus, Luis Cláudio, Andrezinho, Pedro, Gustavo, Demétrio, Celsinho, Ferdinando, Everaldo, Zacarias, Márcio, Júnior, Vasconcellos, Felipe, Filipe, Jonatas, Emerson, Miguel, Cosme, Damião, Ricardo, Geraldo, Wilson, Norberto, Bechara, João Victor, Amadeu, Nelson, Haroldo, Alberto, Zenóbio, Cristiano, Eduardo, Francisco, Adriano, Juvenal, Giovani, Laércio, Fábio, Clemente, Anderson, Clayton, Jurandir, Ronaldo, Rodrigo, Ulisses, Dionisio, Cabrera, Augusto, Érico, João Baptista, Lopes, Ignácio, Jairo, Abraão, Nilson, Sebastião, Henrique, Lineu, Betinho, Túlio, Roberval, Joel, Almir, Diogo, Patrício, Magno, Elimar, Américo, Teófilo, Lauro, Samuel, Éverton, Cassiano, Marco Aurélio, Douglas, Otávio e Leverkurdison, sim, Leverkurdison.
O centésimo equivocado o abordou no interior de um boteco próximo à sua casa. Cara amarrada, o homem questionou se o impostor dele guardava lembrança.
“Não me recordo. E o senhor? Me conhece?”
A resposta chegou por intermédio dos tiros que atingiram sua face desfiguraram-lhe o rosto. Velório de caixão fechado, tal o estrago provocado pelos projéteis. Agora sem rosto, sete palmos abaixo da terra, nunca soube o nome de seu centésimo sósia.
Graças à incrível semelhança, Noronha, atuante estelionatário, livrara-se das balas a ele originariamente encomendadas e continua por aí, aplicando um sem número de golpes. Era absurda a quantidade de disfarces e documentos falsos que Noronha utilizava. Nunca foi descoberto.


18 de setembro de 2013

Cenas do CUtidiano




ELEVADOR / INTERIOR / DIA

- Puta que pariu!
- É comigo, senhor?
- Não... desculpa... é que eu estou ouvindo o julgamento aqui no celular. O puto mandou preparar a pizza.
- ah...

FADE OUT