30 de julho de 2010

Por Onde Andam os Cupins Alados?

Agosto, mês do desgosto. Nunca concordei com a afirmativa. Agosto é o mês de aniversário da minha mãe e de outras pessoas que prezo. Dizem que agosto carrega consigo durante seus 31 dias calamidades, tragédias e pequenos dissabores dentro do nosso cotidiano. Sinceramente, não me lembro de nenhum fato abominável ocorrido nesse mês. Talvez eu tenha memória fraca ou seja um total ignorante em datas catastróficas. Getúlio se suicidou em agosto, não?

O certo é que agosto para mim era o mês dos cupins. Quando criança, esperava ansiosamente o primeiro dia quente de agosto, geralmente na segunda semana do mês quando fazia um calorão pré-primaveril e mal a noite caía, lá vinham eles, cupins alados em seu voo a tomar conta de todas as luzes possíveis. A iluminação pública ficava apinhada de insetos alados bailando ao seu redor. Quem não fechasse as janelas após as seis da tarde corria o risco da incômoda presença daqueles incontáveis bichinhos em volta do seu lustre. E nada adiantava apagarem-se as luzes. Alguns cupins, renitentes, ao invés de procurarem outras paragens, permaneciam em minha casa, buscando abrigo na luz que a tela do televisor emitia. As novelas da época se transformavam em trash-movies com galãs e mocinhas canastreando seus papéis sob o testemunho de um enxame de insetos.

Rezava a lenda que, ao perderem as asas, os tais cupins se embrenhavam pelos tacos, mesas, cadeiras, armários, estantes ou qualquer outro móvel de madeira para lá instalarem sua morada definitiva e iniciarem a procriação. Seguindo tal raciocínio, todos os cupins seriam rainhas e, caso toda rainha sobrevivente fundasse o seu cupinzeiro particular, bilhões de cupinzeiros brotariam mundo afora e agosto realmente seria um mês catastrófico. Em verdade, nem tenho certeza se aqueles bichinhos que povoam minhas lembranças infantis se tratavam realmente de cupins.

Minha tia-avó não perdia tempo com tais hipóteses. Para ela, eles eram sim cupins e não mereciam clemência. Sua arma para combater o inimigo voador consistia em uma bacia d’água, estrategicamente posta abaixo de uma lâmpada qualquer. Segundo a titia, os cupins confundiriam o brilho da luz refletido no espelho d’água e mergulhariam para a morte certa. Quando eu visitava minha tia nas noites agostinas passava horas de olhos atentos, grudados na lâmpada do teto e na sua bacia colocada no chão, na eminência de presenciar um holocausto de invertebrados. Todavia, creio que os cupins iam parar na bacia mais de cansados ou por perderem uma das asas por alguma colisão durante o vôo do que vitimados pelas artimanhas da tia, visto que poucos caiam em sua armadilha.

Os anos transcorreram comigo deixando pouco a pouco o bailar dos cupins. Já adulto, me esquecera completamente daqueles tormentos voadores, até que, em um certo anoitecer de um dia abafado, um solitário cupim fez seu vôo nupcial em volta de uma lâmpada dentro do meu apartamento. Aquele misantropo ser me deixou a sensação de que o tempo havia passado como flecha e que o homem, este único ser capaz de modificar o meio onde vive, está mudando a ordem das coisas neste planeta.

No último dia de agosto, vi amendoeiras enganadas, deixando cair aos seus pés folhas amarelas como se outono fosse. Por onde andam os cupins alados? Com a resposta, os destruidores dos ecossistemas.

Destaque no VI Concurso Rubem Braga de Crônicas, Academia Cachoeirense de Letras - 2009

2 comentários:

  1. sabe, é como se eu tivesse pensado nessas linhas, com detalhes diferentes apenas.
    cadê os cupins?

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  2. Zulmar, eles estão aqui na Lapa

    esses dias precisei ficar cerca de uma hora no breu total, com a janela aberta e o ventilador ligado, depois que eles formaram uma espiral em volta da lâmpada do quarto

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