30 de dezembro de 2010

Ecos de um Réveillon

Os sons característicos de uma festa dominavam o ambiente. Vozes incompreensíveis se perdiam no meio dos convidados se confundido com a música ao fundo, baixa como rezava as regras da etiqueta. “Música alta era coisa de pobre”, costumava repetir Jonas. Aquele era o primeiro réveillon que Telma e o esposo promoviam em seu apartamento recentemente adquirido em Copacabana, rua secundária, onde, da janela, pescoço esticado e um pouco de boa vontade, podia-se contemplar um canto do mar.
Família e alguns amigos íntimos foram convidados para a recepção. À meia-noite, todos desceriam a praia para assistirem a queima de fogos. Telma se multiplicava para agradar aos convidados enquanto Jonas entretinha um bando de homens segurando copos de whisky nas mãos. Telma, enquanto observava o marido, pensou no quanto eles haviam progredido nos últimos anos. E se não eram abastados, aos menos levavam vida confortável. Entretanto, a constrangia o profundo desprezo com que Jonas, aprendiz de rico, se referia aos mais pobres, atitude que fazia questão de não ocultar.
— Bando de gente sem fibra, que não tem ganas de vencer na vida. Ficam lá, nos seus empreguinhos de merda. E estes que dão pra mendigar? Trabalho tem demais. O que falta é coragem de meter as caras. Neguinho quer mais é uma esmolinha, batente que é bom nada – discursava Jonas para seus convidados.
Alguns concordavam com leves acentos positivos de cabeça. Outros procuravam disfarçar o cortante incômodo daquelas palavras.
Ocupada em suas tarefas de anfitriã, por um momento Telma perdeu de vista o marido, ocultado no meio dos convidados. Queria lhe alertar que já estava quase na hora de todos descerem. Distribuindo sorrisos a esmo, procurou pelo esposo em alguns cômodos da residência. Foi encontrá-lo ao telefone no quarto do casal, entre sussurros.
— Hoje não vai dar, meu bem...não, não...claro que eu amo! Mas amanhã eu dou uma escapada. Bota aquela camisola... é... aquela mesma... Tá bom... Um beijo nesta boquinha...
Afastou-se do umbral da porta antes que Jonas a descobrisse. As pernas bambeavam, os lábios tremiam. O marido tinha uma amante. E o calhorda ainda escolhia as camisolas dela! Procurou dominar-se do choque. Precisava evitar um escândalo. A casa estava apinhada de familiares. Seus pais, a mãe de Jonas, viúva do General Passos Filho, todos exibindo a artificial felicidade de final de ano. Trancou-se no banheiro e, sentada no vaso sanitário, destilou seu solitário ódio ao marido traidor. Engoliu o choro, olhou-se no espelho, retocou a maquiagem, e voltou para a festa.
Sentia-se a única infeliz em torno do turbilhão de rostos congestionados pela alegria iluminada pelos fogos que pipocavam no céu. No meio da areia recebeu mecanicamente os votos de feliz ano novo dos casais amigos. Jonas largou um beijo estalado em sua face. Neste momento, Telma pensou em Judas.
Caminhando de volta para casa, no meio da multidão ela tinha os pensamentos perdidos. Jonas continuava a vomitar seu desprezo pelos miseráveis.
— Todo dia deveria ser réveillon em Copacabana. Isto aqui tá pra turista ver! Limparam o bairro dos mendigos. Livraram-se da escória, dona Matilde.
A mãe de Telma riu de modo forçado.
No dia seguinte, Jonas inventou uma desculpa qualquer e foi encontrar a amante. Assim que se viu sozinha, Telma pegou o carro e saiu sem destino por uma cidade deserta de gente em virtude do feriado. Cruzou a zona sul e no Centro da Cidade, entrou em ruas decadentes. Naquele dia, entregou-se a todo o tipo de homem que atravessou o seu caminho. Não escolheu raça ou tipo físico, mas fez questão de trair Jonas com os personagens das camadas mais baixas da sociedade carioca. Telma conheceu os mais sórdidos hotéis de encontros do Centro do Rio. Fornicou em sobrados abandonados. Até dentro de banheiros fedorentos de botequins ela copulou. Encontrou-se com mendigos, cafetões, malandros de rua, bandidos, michês, gente desocupada, gente que trabalhava, vigias de edifícios, garçons que voltavam de seus restaurantes, lixeiros, motoristas de ônibus, taxistas, guardas de trânsito, flanelinhas. O 1º de janeiro daquele ano ficou conhecido nas redondezas como o dia em que uma riquinha enlouquecida alegrou sexualmente os desvalidos do Centro.
Chegou em casa junto com as primeiras horas da noite. Jonas ainda não voltara. Despiu-se de suas roupas suadas pela aventura, meteu-se debaixo do chuveiro e deixou a água morna envolver seu corpo cansado da batalha. Durante o banho, chorou pela primeira vez desde que soubera da traição. Depois, riu. Riu muito. Gargalhou até engasgar-se. Risos entrecortados por espasmos.
Nove meses depois, Telma deu a luz a um menino. Sabe-se lá filho de quem. A gravidez modificara Jonas. Até a amante ele largou. Na maternidade, era a alegria em forma de pai. Vendo o marido com a criança em seus braços, Telma deixou escapar um sorriso malicioso. Um doce sorriso de vingança, ainda que saboreada apenas no seu íntimo.

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