4 de novembro de 2010

Barro

No princípio era apenas uma massa de barro, disforme, umedecida em virtude da chuva inaugural que desabara minutos antes. O hábil escultor tomou em suas mãos calejadas a amorfa liga de argila e água e, por intermédio de movimentos circulares, transformou-a em uma esfera. Observando a bolota de lama condensada, recordou-se com um sorriso emoldurando o rosto a forma dos incontáveis planetas a pontilhar o espaço e, enquanto a dividia em seis esferas menores concluiu, satisfeito, que a finitude das coisas havia sido uma bela ideia.

Iniciou sua obra construindo o modelo. Das seis pelotas de barro nasceram o tronco, duas pernas, igual número de braços e a cabeça que, unidas, já insinuavam a forma humanóide. O talento inquestionável do escultor moldou os músculos do tórax e dos membros. Em seguida, esculpiu artérias protuberantes por todo o corpo, dando aspecto atlético a figura. Trabalhava com extrema rapidez, modelando olhos, lábios, orelhas e o nariz. Preocupou-se com os acabamentos, dedos, unhas, pêlos, linhas das mãos. Gostou do resultado, achando que a escultura carregava certa semelhança com o próprio artista. “Que obra de arte é o homem!”, exclamou enquanto soprava a narina do boneco de barro, contemplando-o com o hálito da vida. “Ide, Adão! Segue o teu destino”, disse o Criador à criatura antes de largá-la, sozinha e indefesa, na vastidão daquele mundo por Ele também arquitetado.

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