3 de outubro de 2010

Sardas

O indicador doía por tanto acionar o teclado do telefone, mas sua busca ainda não findara. Necessitava de uma loira, cerca de vinte e cinco anos, pele branquinha e, importante: sardas. Sardas a salpicar o colo e as costas, feito ilhotas em um arquipélago de melanina. As sardas eram fundamentais. Outros detalhes eram secundários. Fernanda lhe revelara sua constelação de manchinhas no dia em que aparecera no escritório trajando um tomara-que-caia. Nunca soube ao certo se ficara obcecado pelo colo pigmentado de Fernanda ou se a ocasião tão somente apertara o gatilho da paixão.

Fernanda, colega de trabalho, mulher que Hélio julgava inconquistável devido a sua insignificância e nulidade como ser humano. Considerava-se um homem sem atrativos estéticos, financeiros, sujeito sem glórias, destituído de personalidade ou carisma. Um nada, um covarde. Um covarde que amava platonicamente.

Muitas garotas de programa interrompiam a ligação, creditando a Hélio taras inimagináveis, contudo, após exaustivas buscas, encontrou uma sardenta disposta a ser sua Fernanda. Chamava-se Amanda, certamente nome de guerra.

As portas do elevador abriram-se no quinto andar de um fétido prédio na Barata Ribeiro, antigo 200. Hélio deslizou pelo corredor cujas intermináveis portas lhe presentearam com a sensação de Teseu no labirinto. Diante da 512, acionou a campainha. Uma loira miúda, corpo camuflado por um roupão amarelo, atendeu. Não tinha cara ou trejeitos de prostituta, pelo menos assim concluiu Hélio que estereotipava aquelas profissionais.

Amanda convidou-lhe a entrar em uma quitinete microscópica onde mal cabiam a cama de casal e um armário de portas empenadas.  Sugeriu que Hélio ficasse “à vontade” e, enquanto zanzava pelo quarto tagarelando sem parar, deixou cair cinematograficamente o roupão, revelando um corpo alvo, cândido, quase pueril. Lá estavam as sardas tão ambicionadas por Hélio. Sardas de Fernanda. Era o suficiente.
A prostituta ajoelhou-se na cama ao lado de um Hélio que insistia em permanecer vestido. Desempenhado com maestria seu papel, ela abriu levemente as pernas, revelando o sexo rosadinho, depilado, combinado com a tonalidade dos mamilos.

—Gosta?

— Sim... Você tem um vestido tomara-que-caia?

— Quer uma fantasia, hein? Safado...

— Quero que você se fantasie de Fernanda.

Por algumas horas Hélio passeou de mãos dadas com Amanda, que se passava por Fernanda e levava na certidão o registro de Maria Cláudia. Andaram pela orla de Copacabana, tomaram sorvete num quiosque, viram o sol se pôr às costas da Ponta do Arpoador, visitaram a feira hippie. Amanda/Fernanda/Maria Cláudia estava encantadora em seu vestidinho. O homem realizou naquele fim de tarde, prelúdio de noite, o sonho de namorar seu simulacro de Fernanda, ainda que pagasse por isto.

Chegando à portaria do antigo 200, Hélio percebeu que não mais amava Fernanda, menosprezava o sexo rosáceo de Amanda e se apaixonara por Maria Cláudia.

Quebrou-se o encanto por uma mão estendida, cobrando o  acordado pelo programa. Pagou o prometido, virou as costas para a Amanda profissional do sexo sem sexo e sentiu a agulha da sussurrada voz debochando por detrás dos omoplatas.

— Tolo...

Ou..

Quebrou-se o encantamento ao acertar o serviço contratado. Hélio sacou do bolso a carteira para pagar o combinado programa de sexo sem sexo com sua imitação de Fernanda. A garota de programa, no entanto, recusou as notas que o homem lhe ofertava com um gesto de “deixa pra lá”. Já não era mais Fernanda e, após o encontro com aquele sujeito gentil e atencioso, resolvera despir-se da personagem Amanda. Inúmeras possibilidades abrilhantavam-se à sua frente.

— Aceita subir para um café? – Ela perguntou em ousadia fêmea, contudo despida de malícia profissional. Amanda desejava, Fernanda era quimera, Maria Cláudia amava.



3 comentários:

  1. Magistral captura de um momento, uma circunstãncia.

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  2. Um ótimo texto. Gostei bastante, uma leitura calma e relaxante. O final ficou bem interessante, e o texto é envolvente. Parabéns!

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  3. Você escreve muito bem. Tem sensibilidade, criatividade e riqueza de vocabulário. Espero voltar mais vezes e encontrar outros tantos textos interessantes. tenho tentado escrever contos, com alguma dificuldade devo admitir. Se puder, passa no meu blog e diz o que acha.
    Abraço e parabéns pelo blog!

    www.costabbade.blogspot.com

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