Quarenta e três
anos, trezentos e sessenta e três dias e algumas horas. Daqui a dois dias farei
quarenta e quatro. Difícil imaginar que tanto vivi. Besteira! Sou jovem ainda. Volta
e meia me pego feito um velho falando. Velho aos quase quarenta e quatro? Muitos
começam realmente a vida nesta idade, porém, sempre pensei que não vingaria
trinta e cinco. Pura intuição, longe da racionalidade que um estatístico como
eu deveria se possuidor. Quase acertei quando uma crise de apendicite me pegou
de surpresa dois meses após o meu trigésimo quinto aniversário. Vi a cara da
morte. De qualquer forma, eu falhei nas previsões. Estar vivo é a prova. Sou um
Nostradamus de araque, um profeta de quinta categoria, Ainda bem.
Nunca consegui
fazer um embrulho que preste. Sem jeito mandou lembranças. Sou uma negação com
trabalhos manuais, não sei trocar uma tomada. O Jorge, porteiro do prédio, é
que me salva nestas situações domésticas. Sou bom mesmo é com a cabeça.
Números. Sou uma calculadora ambulante.
Mas está muito
do mal feito este pacote. Benza Deus! O papel está amarrotado, as dobras mal feitas,
a fita adesiva que prende as extremidades parece ter sido aplicada por uma
criança. E o que dizer do barbante frouxo? Pura vergonha! Mas o que está dentro
é o que conta. Em verdade, vale mesmo é a intenção. Oswaldo na certa vibrará
com a minha lembrança. Sujeito solitário o Oswaldo, o pobre! Sem amigos, sem
esposa, mal troca umas palavras com os colegas da repartição. É só aquele vai e
vem, da casa para o trabalho, cinco vezes por semana, onze meses por ano. E o
mês de férias? Oswaldo se trancafia trinta dias no apartamento. Que vida
medíocre e sem expectativas! Coitado do
Oswaldo... Carece de saber que no mundo alguém se preocupa com ele. E calhou
desse alguém ser eu. Amanhã, mal ou bem feito, postarei o pacote nos correios.
Certamente, ele ficará exultante com o regalo.
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